
Estórias com Propósito: Uma viagem a um destino paradisíaco transformada pelo propósito
Resisti em escrever. Sou uma contadora de histórias – e tenho muitas –, mas até que ponto o propósito esteve sempre lá? Até que, uns meses depois, aconteceu.
Por Conceição Zagalo, empreendedora social e presidente do Conselho de Administração e Executivo da Fundação LIGA e presidente do Conselho Consultivo do GRACE
Disse: «Mas ó Leonor, uma estória com propósito? A minha vida está cheia de vivências que gosto de contar aos meus netos e às pessoas com quem mais privo, é verdade. Mas não me parece que tenha assim tantas histórias muito “tcharam”.»
Em resposta: «O “tcharam” é o significado que têm, Conceição. Sei que gosta de contar aos seus netos, mas nós conhecemos-lhe muitas histórias de vida. E muitas são inspiradoras, como a Conceição. Gostava mesmo que escrevesse. Esta rubrica tem “a sua cara”. »
E assim andámos de Maio para cá. Quase um ano de namoro. Mas escrever por escrever é uma não opção, certo? Ao final do dia, numa circunstância como esta, é suposto haver suco no que se partilha. Pelo menos, é assim que encaro estes desafios.
Hoje porque estou em peregrinação, amanhã porque estou com a minha mãe, depois porque tenho prazos a cumprir com outras obrigações já assumidas, os meses foram correndo. Mas, em bom rigor, não seria fundamento consequente o que me fazia vacilar? Ou a exigência de um quê de diferente no meu propósito de vida? «Pronto, Tânia – que entretanto ia insistindo, a pedido da Leonor – «vou escrever. Não as vou deixar mal. Desta não passa. Devo-lhes isso. A si e à Leonor.»
Comecei a amolecer. Até porque é verdade que, ao longo de sete décadas de vida, me aconteceram coisas bem giras. E de todas elas, ou melhor, de quase todas elas, sendo eu uma contadora de histórias, tenho sempre mais qualquer coisa para acrescentar. Uma infância com o selo de filha do meio, o arranque de vida profissional a estudar, a mudança de um potencial casamento em nove meses de calendário, a evolução de carreira com base em doses reforçadas de determinação, a opção por Lisboa e não pelo Ribatejo, onde nasci e para onde salto quase todos os fins-de-semana, a expatriação não cumprida em Miami por razões familiares, missões no Vietname, em Cabo Verde, em Moçambique… Eu sei lá, matéria-prima não me faltaria.
Mas isso é passado. Pronto, com lições, reconheço, mas até que ponto o propósito esteve sempre lá? Pelo menos com a responsabilidade com que hoje o encaro? O que eu queria, mesmo, era ter uma estória de A a Z. E que resultasse em história que encarnasse o propósito. Aconteceu. Não podia ser mais oportuno.
O Fernando, esse homem paciente que me tem acompanhado em modo “sim, querida” em todas as minhas mudanças de vida, e de humor, ao longo de quase meio século, fez 80 anos. Acharam as nossas filhas que, aos amigos que perguntavam o que é que vamos dar ao teu pai, deviam sugerir um mealheiro numa agência de viagens. E ali mesmo, no auge da emoção, o destino ficou marcado. São Tomé e Príncipe. Afinal era um destino que ambos muito queríamos cumprir. Nunca três meses voaram tão velozmente. De Outubro a Janeiro foi um salto. Renovação de passaportes, consulta do viajante, profilaxia da malária, outras vacinas para jovens menos jovens, compra de medicação, organização do trabalho, do apoio à família, da viagem em modo “já que estamos nesta idade, vamos aproveitar o máximo que pudermos”. E lá partimos nós de malas feitas, depois de uma directa, não fosse o voo fugir-nos.
Se o destino era comum, os objectivos nem tanto assim. Os dois queríamos ir a esse canto de África que tanto tem de nós. E para ambos era importante poder pôr o pé num destino que ouvíamos ser ainda mais paradisíaco do que as Maldivas. Ainda para mais, o Fernando sonha com Verão o ano inteiro. Fomos ouvindo e agarrando detalhes que nos foram motivando para entender a essência de uma vida “leve leve”, as reminiscências de Portugal ao virar de esquina, a passividade de um povo que não compra guerras, a comida maravilhosa, a natureza, as pessoas. Tudo isto era música para os nossos ouvidos.
Mas as verdades são para se assumirem. Para mim, era estranho… Férias só a passear? Turismo, OK, até percebo. Mas para mim, hmmm… é curto. Então se a minha fita do tempo está a encurtar a olhos vistos, eu vou usar todo o tempo de papo para o ar? Não, tenho de dar uma volta a isto. Pus-me ao caminho.
Eu sei, o presente era do Fernando. Mas, no meu caso, eu tinha mesmo de dar sentido a esta viagem. Fundação Benfica, arranjam-me equipamentos para levar para São Tomé? Helpo, ajudam-me a identificar escolas que façam deles o melhor uso? Universidade de São Tomé, tenho espaço para um seminário sobre liderança para alunos de licenciatura de Gestão e de Enfermagem? Fundação Príncipe, consigo um encontro com mulheres empreendedoras? Indústrias Criativas, consegue-se uma conversa com uma incubadora de negócios?
E assim, como que por magia, tudo foi acontecendo. Leve leve, levezinho. Dias cheios de ar puro, de serenidade, de ocupação e satisfação, e mais toda uma miríade de oportunidades surgidas in loco que ficaram em carteira para, quem sabe, nova estória sobre tempo para dar. E para receber.
Como nas histórias reais há sempre algo de surpreendente, não é que ali, à chegada ao hotel, ainda meio zonza da viagem, dou de caras com amigos que há anos não via em Portugal?
Resultou isso num programa do primeiro dia melhorado com um belo circuito de cultura sobre produção de chocolate e de cultivo de amizade. Então e as conversas de vida e de empreendedorismo com o famoso João Carlos Silva, em São João dos Angolares, com quem me tinha cruzado em Novembro, na Golegã? Inacreditável também, a forma como, no mesmo dia e à mesma hora, num restaurante gigantesco, me sento numa mesa mesmo ao lado de conterrâneos riachenses. As conversas atropelam-se em circunstâncias assim e inspiram novas descobertas que dão que pensar.
Já a caminho do Ilhéu das Rolas, para pisarmos a linha do Equador, palavra puxa palavra, sobre origens, cultura, hábitos e costumes, pergunta-nos o Alcino de onde vínhamos. De Lisboa, avança o Fernando. Dos Riachos, local no centro do mundo, digo eu de peito cheio. Então e não é que o Alcino viveu 11 anos no Entroncamento?
O Alcino é pai de cinco filhos. Todos da mesma e sua única mulher, que foi assim que os pais lhe ensinaram. Três mais novos ali consigo e com a mãe. Os dois mais velhos em Manchester, por onde a família passou nos percursos entre Portugal e São Tomé. Conta o Alcino: «Alunos brilhantes todos eles. Que o país precisa de pessoas boas. Pena que os dois que estão fora fiquem
Leia o artigo na íntegra na edição de Fevereiro (nº. 170) da Human Resources, nas bancas.
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