Estratega global

Hoje, aos 64 anos, Luís Reis é o cluster leader da Europa do Sul, administrador delegado em Itália e Portugal e membro da Comissão Executiva Europeia – no Hay Group.

Por TitiAna Amorim Barroso

Desde 1996, que multiplicou o valor do Hay Group, em Portugal, por 13 vezes. Agora, Luís Reis e a sua equipa engendraram um posicionamento único do cluster da Europa do Sul – que inclui Portugal, Espanha e Itália – como um todo.

«Desde o dia 1 de Outubro deste ano que não somos nem espanhóis, nem portugueses, nem italianos, somos um cluster que se chama Sul da Europa. A gestão é global, como se tivéssemos tirado as fronteiras entre estes três países. Havendo um mercado maior nesta perspectiva de cluster podemo- nos ajudar uns aos outros», conta Luís Reis a propósito da reformulação, que será seguida por outros clusters do Grupo.

Em entrevista à HR Portugal, partilha com boa disposição episódios do seu percurso profissional, como no dia que decide colar um poster do Che Guevara no seu gabinete na Unilever. Fala-nos dos objectivos traçados para o cluster, dos múltiplos desafios de uma gestão global, da estratégia de integração europeia, das suas referências, do life motive, entre outros.

HR: Quais os desafios da gestão global?

Luís Reis: Hoje em dia, sou membro da Comissão Executiva Europeia e dentro dessa Comissão tenho uma responsabilidade por um agrupamento de países: o cluster do Sul da Europa que tem Portugal, Espanha e Itália – felizmente não está a Grécia por que senão tinha atingido o pleno! O mercado do Sul da Europa, do ponto de vista macro e micro económico, está numa constante transformação negativa. Existem empresas nesses mercados com necessidades de crescimento, de internacionalização, de melhoria da performance e isso é uma janela de oportunidade.

HR: Significa que agora as empresas necessitam, mais do que nunca, que a consultoria lhes traga valor acrescentado?

Luís Reis: Sim. E não apenas um “parece” que vamos ter um valor acrescentado. Portanto, é preciso que exista o mínimo de garantia. Existe portanto uma janela de oportunidade para a consultoria, mas também um risco acrescido que não estamos habituados. E se formos capazes de o acompanhar, temos mercado.

HR: Mas grande parte destes países não está a investir em consultoria estratégica…

Luís Reis: Sim. A estratégia é sobreviver. Investese na procura de respostas: como me posso transformar para fazer mais e melhor com menos, para ser capaz de estar à frente da minha concorrência ou para agarrar a fatia de mercado livre. Quando olhamos para mercados estagnados como o espanhol e o italiano – o português é recessivo – existem oportunidades. O grande desafio é a internacionalização e quanto mais o lucro provier do mercado externo maior é a capacidade de evolução. O meu mercado não é Portugal, Espanha e Itália, é tudo junto.

HR: Em Outubro, iniciaram uma reformulação no cluster do Sul da Europa, passando a abordar os 3 países como um só mercado. Qual a intenção?

Luís Reis: Começámos o ano em Outubro e decidimos dentro do nosso grupo deixar de ter fronteiras, dos três países passou a existir um. Constituímos um management team para o cluster, com pessoas de Itália, Portugal e Espanha e uma pessoa de Inglaterra. E vamos abordar o mercado de forma conjunta, isto permite ter uma capacidade de intervenção diferente e de gerar valor acrescentado para desenvolver os nossos recursos de uma maneira que antigamente não tínhamos. Agora é mais interessante, podemos circular os nossos recursos num espaço geográfico diferente e temos a mesma conta de resultados. Este é o princípio do cluster.

HR: Fecharam o ano a 30 de Setembro, como correu na Europa?

Luís Reis: Correu-nos excepcionalmente bem. A nossa taxa de crescimento – incluindo Portugal, Grécia, Espanha e Itália que são os países problemáticos – foi de 14% em volume e 18% em lucro, o que é uma coisa muito simpática para uma Europa que está em recessão ou pelo menos em estagnação.

HR: Que mercados cresceram mais?

Luís Reis: Crescemos na Rússia 50% e na Turquia 80%, mas por exemplo na Alemanha crescemos 30%. Ou seja, não sentimos, à parte destes três países onde estou mais a Grécia, nenhuma dificuldade.

HR: Qual a missão do cluster?

Luís Reis: A Itália era um país que estava mal há 15 anos. Mas de certeza que, para o ano, não vai ter problemas. Em Espanha acho que não há tantos problemas de mercado como se diz. E em Portugal temos uma recessão, e há uma estagnação ou diminuição do investimento da consultoria perfeitamente claro. Mas como temos um portefólio de empresas que têm mais de metade do seu lucro a vir de fora, obviamente que, pelo menos nos mercados onde actuam, vão necessitar de consultoria. Diria que a missão da Itália foi dotá-la das condições para crescer, temos portanto um grande potencial à nossa frente, em Espanha também e em Portugal continuamos a acompanhar empresas com pendor internacional, já que temos estreita relação com a maioria das empresas do PSI20.

HR: Quais as medidas implementadas?

Luís Reis: O que se fez foi perceber as empresas italianas e dar-lhes as soluções para poderem crescer e melhorar a performance, ajustando o redimensionamento e a qualificação das pessoas às necessidades que o mercado impunha. Em Itália há um bocado a questão das pessoas que se conhecem umas às outras, que contribuem com favores, há um proteccionismo. Também havia problemas de liderança. Quando cheguei não havia condições, as pessoas do backoffice ganhavam mais do que os consultores, o front office ganhava menos do que um administrativo, tudo existia, porque cada um tinha o poder negocial pessoal.

A evolução de uma empresa tem que ter um alicerce e o alicerce são os jovens. E não irmos buscar ao mercado um conjunto de pessoas que normalmente tem uma série de vícios – e isto é como o melão só depois de aberto é que se sabe. E em Itália quando se abre o melão se não interessar não se pode despedir. Lá o life motive não é demasiadamente trabalhar, ainda por cima tendo uma política laboral que os protege. Uma das coisas que achei graça, foi ter descoberto que há uma data de pessoas cuja vocação é enriquecer através do despedimento. Tivemos a capacidade de falar a verdade aos sindicatos e de sermos entendidos.

HR: Isso acabou por exigir de si muito tempo em Itália?

Luís Reis: Sim, mas esta parte ficou concluída no final de Julho e o grau de motivação das pessoas hoje em dia é muito diferente e estou muito contente. Há agora um mercado maior, nesta perspectiva de cluster podemo-nos ajudar uns aos outros.

HR: Qual a missão para os mercados espanhol e português?

Luís Reis: No mercado espanhol a missão é criar parcerias com as principais empresas espanholas, no sentido de sermos capazes de as ajudar a crescer e sermos um consultor de referência. Em Espanha somos muito os consultores de RH e temos que passar essa barreira e ser um consultor de referência como acontece por exemplo cá.

No caso português é tentar nas oportunidades que existem concretizá-las. Dentro do cluster as pessoas com mais talento são as portuguesas, a nossa ideia é colocar o talento português à disposição do cluster, já que somos um só mercado. Não nos podemos esquecer que não somos nem espanhóis, nem portugueses, nem italianos, somos um cluster. Há uma gestão global, como se tivéssemos tirado as fronteiras entre estes três países. Não é fácil, foi tudo de repente, ainda assim é simpático porque passámos a ter um redimensionamento muito maior.

Agora como funciona? Claro que não somos ingénuos e sabemos que há especificidades que vão continuar a existir. É um desafio muito interessante e do ponto de vista cultural não é fácil.

HR: Como tem corrido?

Luís Reis: Somos uma empresa global e temos uma língua que é a inglesa. Usamos uma estratégia, que chamamos Nort East South West, que significa lidar com todas as pessoas e vendermos os produtos, cobrirmos as grandes áreas da organização. Hoje em dia se quisermos movimentar pessoas na Europa é muito mais fácil.

HR: A gestão é global.

Luís Reis: Este ano temos quatro mercados fundamentais: a Rússia, a Turquia, a Alemanha e a Inglaterra e uma das coisas que fizemos foi reunirmo-nos nesses mercados, com as pessoas internas e clientes, para que nós também percebêssemos como é que podíamos ajudar e potenciá-los. A Alemanha é um mercado prioritário porque dentro da Europa é um país muito importante e que temos que fazer crescer. A Inglaterra é o de referência, faz parte da tradição dos ingleses ter consultoria e crescemos 15%. Na Turquia tivemos uma grande discussão, se dobramos o negócio num ano ou em dois. Se dobramos instantaneamente ou podemos fazê-lo em 2 anos e tivemos duas horas a discutir uma coisa destas. Imagine o meu estado de espírito!

É muito interessante mesmo na Europa termos países emergentes. Já disse aqui que se alguém quiser ir para o Cazaquistão, são precisos consultores e na Rússia também. Em Moscovo há 14,5 milhões de habitantes e a taxa de desemprego é de 0,5%. Portanto quem souber falar Russo tem mercado à espera.

A Índia está a crescer exponencialmente e precisa de consultores. Uma empresa global proporciona estas oportunidades e mesmo dentro do próprio cluster têm mobilidade, trabalham de onde quiserem. Este tipo de desafios são muito interessantes, quando só temos conhecimento de um mercado temos dificuldade em perceber como é que as coisas evoluem num mercado mais globalizado.

HR: Multiplicou o valor do Hay Group, em Portugal, por 13 vezes, desde 1996. Que partículas identifica para este crescimento?

Luís Reis: É sabermos o que pretendem de nós, termos pessoas que gostem de aprender e que tenham um pensamento livre, sem medo de actuar, de saber ajudar e saber correr riscos.

A chave do sucesso é sermos capazes de transmitir a mensagem, cumpri-la, não termos medo e sermos humildes para perceber que todos os dias aprendemos.

HR: Mas qual o segredo?

Luís Reis: O grande segredo foi conseguir do ponto de vista cultural interno uma grande coesão, isto foi feito fundamentalmente trazendo todos os anos novas pessoas, e trazendo jovens. Sempre que recrutei pessoas a meio da carreira, em cada dois enganava-nos um. Porque tinham os seus vícios.

HR: Que traços de personalidade destacaria como determinantes para um bom desempenho profissional?

Luís Reis: Todos devemos ter uma grande dose de capacidade de aprendizagem, sermos capazes de não ter medo, e acho que percebermos o que os outros querem e sermos capazes de guiá-los. E, principalmente, fazê-lo com gozo é uma competência muito importante.

É a auto-motivação, mas principalmente a perseverança. Ter a vontade de vencer, sem ser demagogo é muito importante, sermos capazes de nos imbuir daquele espírito vencedor, de ganhar, é muito giro ganhar.

Temos que arranjar o ponto de equilíbrio entre o humilde e o maluco, um certo grau de maluquice é importante porque nos desinibe. Temos que ser criativos, empreendedores e arriscar mesmo, às vezes damo-nos mal, mas fizemos e se fizermos mal corrigimos.

HR: Se tivesse oportunidade de iniciar a vida profissional agora, escolheria o mesmo caminho?

Luís Reis: Não sei, isso já foi há algum tempo. As circunstâncias hoje em dia não são as mesmas. Quando comecei a minha vida profissional na Unilever lembro-me de um senhor na área de Pessoal, um dos chefes que disse “Luís Reis se se portar bem, daqui a 20 anos é um pilar nesta organização”, e achei que aquilo era música celestial, pensava que só tinha que fazer tudo bem, porque os trabalhos para a vida faziam sentido.

Hoje o life motive não é esse. Na altura, assim que bati os 20 anos cheguei a general manager e antes dos 40 anos. Mas se me perguntar se tive continuamente gozo no meu trabalho, isso tive. E tive a sorte de estar do lado do management e da consultoria, e gostar dos dois.

HR: Teve algumas referências na carreira?

Luís Reis: Obviamente que na Unilever temos a referência da empresa e do senhor Soares dos Santos, do mesmo modo quando fui trabalhar para o Banco Santander tinha o senhor Botin. O senhor Soares dos Santos ajudou-me muito a crescer, foi uma pessoa que apostou em mim. Eu tinha um passado esquisito para uma empresa capitalista, era de extrema-esquerda, quando entrei para Unilever a primeira coisa que fiz foi colocar o retrato do Che Guevara no meu gabinete e normalmente esta situação não seria bem vista, mas o senhor Soares dos Santos foi fantástico e aturou-me muito mais do que eu o aturei. Tinha uma perspectiva paternalista, já que tinha sete filhos, os mais novos da empresa eram uma comunidade que sabia, como poucos, fazer crescer.

HR: Se tivesse que apontar melhores e piores momentos a nível profissional, quais é que escolheria?

Luís Reis: Quando temos estas evoluções todas, temos alguma dificuldade de olhar para os maus momentos.

Diria que o momento difícil foi entrar na banca, vindo de um sector completamente diferente e entrei logo para a Comissão Executiva. Parecia um OVNI, não sabia nada daquilo, os outros também não sabiam nada daquilo que eu sabia. A banca funcionava como uma cápsula, pegava nos bancários e encapsulava-os.

Foi uma aposta muito cega por parte do Banco Santander, mas tive a sorte do presidente, que já faleceu, ter sido o meu mentor.

HR: O que tem de especial a Consultoria?

Luís Reis: O que mais me fascina nesta área é a possibilidade de podermos ajudar as empresas a trabalhar melhor, como se tivéssemos uma responsabilidade social dirigido ao tecido empresarial, como uma ONG, com fins lucrativos.

O desafio é o de também sermos capazes de consciencializar que a nossa relação não é meramente circunstancial, falamos também da consequência. E se a consequência não é aquela que prometemos, qual é a nossa responsabilidade? Como corremos em conjunto o risco de implementar? Este é o nosso life motive contínuo. Estamos sempre a inovar, a criar, a fazer coisas e isso faz-nos sentir, enquanto consultores, como uma espécie de empreendedores.

HR: E o que mais critica?

Luís Reis: Muitas vezes, os consultores consideram-se uma elite, um assessor com capacidades que não têm, porque não são super-homens.

Têm realmente um conjunto de competências que foram desenvolvidas para trazer um valor acrescentado às empresas. Mas há uma exagerada auto-estima e narcisismo. Diria que muitas vezes falta à consultoria alguma humildade.

HR: Que conselhos na área de RH gostaria de deixar?

Luís Reis: Gostava que a área de RH fosse reconhecida nas empresas como uma área de negócio. Porque cada vez mais percebemos que o valor a acrescentar nas empresas vem das pessoas.

Aquilo que gostava era que as pessoas percebessem isso e fossem capazes de evoluir nesse sentido de perceber e ajudar no negócio, não tivessem medo de eventualmente fazer outro tipo de trabalhos que não os RH. As pessoas de RH, sobretudo em Portugal, arriscam pouco. Algumas já estão numa perspectiva macro e portanto estratégica, mas nem sempre estiveram assim, nós temos incentivado a isso. Os DRH não chegam ao topo, por inibição ou porque a área de RH foi considerada sempre assim, passem a chamar a área de Talento, ou Pessoas a ver se passa a ter outro tipo de conotação.

Em Portugal temos pessoas muito boas e estamos a desperdiçá-las, porque no contexto empresarial em que estão não são reconhecidas.

HR: Dentro de 10 anos imagina-se a fazer o quê?

Luís Reis: Continuo a imaginar-me a ser capaz ainda de ajudar a fazer crescer pessoas, porque acho que tenho algum jeito para isso.

HR: Como ocupa os tempos livres?

Luís Reis: Não tenho muito tempo livre, mas isso foi uma opção minha. Só tenho um hobbie que é gostar de ir ao futebol, é a única coisa que faço. É o Sporting.

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