“Foi um ano de muito trabalho”

Numa conjuntura desfavorável ao negócio do transporte aéreo, a SATA obteve resultados operacionais positivos e estabilizados, o que só foi possível com muito trabalho de casa.

Por TitiAna Amorim Barroso

Fotos de Paulo Alexandrino

O ano de 2011 não foi fácil para a aviação. Mas António Menezes, CEO da SATA, soube implementar uma maior partilha de informação, maior proximidade entre todos os stakeholders e uma maior agregação da energia colectiva em torno de um projecto comum.

É verdade que a actividade da SATA acabou por ser influenciada pela evolução dos custos do crédito e do combustível, que em 2011 tiveram um comportamento desfavorável ao negócio. Mas a missão foi cumprida, num ano de contraciclo económico a companhia aérea de referência dos Açores oferece soluções mais competitivas, eficientes e próximos dos passageiros.

Prova disso são os vários indicadores que demonstraram melhorias, desde logo na redução do custo unitário, na taxa de ocupação da SATA Internacional, no índice de reclamações, no consumo de combustível e no recorde histórico ao nível de fiabilidade, de regularidade e de pontualidade.

A qualidade da marca e os 1.200 colaboradores são os dois pilares estratégicos da SATA. «Queremos ser uma organização positiva, onde se celebra o sucesso, onde há espaço para a partilha “bottom up” das ideias e inovações. E temos conseguido esse espírito na celebração dos contributos, o que é altamente motivador», garante António Menezes.

HR: De facto, foi um ano complicado para a aviação.

António Menezes: Sim. Agora vivemos a crise das dívidas soberanas: já dez Governos caíram na Europa! Segundo a IATA [International Air Transport Association], nos últimos 40 anos, sempre que o PIB mundial cresce abaixo dos 2%, a indústria tem prejuízo. O PIB é o driver nos resultados da aviação. Em Portugal, o PIB deste ano recua para níveis de 2002, ou seja, economicamente recuámos 10 anos e não estamos a falar de uma crise estritamente económica e financeira, é também social e política.

A crise condicionou, sobremaneira, a evolução dos nosso proveitos, perdemos 13 milhões de euros de receita de passageiros no negócio do transporte aéreo regular. Do lado dos custos temos dois factores exógenos que nos afectaram desfavoravelmente: o preço do jet-fuel em dólares que subiu 39% de 2010 para 2011, atingindo um valor histórico; e o aumento do preço do crédito.

HR: Ainda assim, a SATA obteve em 2011 resultados líquidos consolidados de cerca de meio milhão de euros, resultados operacionais com um aumento de 9 milhões de euros e índices históricos recorde de regularidade e de pontualidade.

António Menezes: O que só foi possível graças a muito trabalho de casa, através de um conjunto de projectos que revelam uma cultura de redução de custos. No nosso sector isto passou por informatizar um significativo conjunto de processos que nos permite prever com a melhor fiabilidade possível a procura. Com uma melhor previsão da procura, operamos as aeronaves de modo mais eficiente, com melhores índices de ocupação e maior eficiência energética, de modo a que o custo unitário seja o mais baixo possível (na prática, operamos de modo mais intensivo as aeronaves mais eficientes no plano energético como o Airbus A320 e o Bombardier Q400 NextGen).

O grande trabalho de casa foi levar a cabo o projeto de Forecasting de Revenue Management, organizado em quatro pilares conceptuais: organização, pessoas, processos e sistemas de informação, de modo a termos a capacidade de sermos proactivos (e não reativos) e anteciparmos variações na procura. Reputo os resultados como positivos, na medida em que tivemos uma série de importantes indicadores que demonstraram significativas melhorias, desde logo a redução do custo unitário, a taxa de ocupação recorde da SATA internacional, a melhoria ao nível das taxas de fiabilidade, de regularidade, de pontualidade, do índice de reclamações e do consumo unitário de jet-fuel, entre outros, o que demonstra, inequivocamente, que estamos perante uma empresa operacionalmente mais eficiente. Algumas áreas da empresa estão a crescer, como o caso da operação Charter e a de aluguer de aeronaves (ACMI), o que contribui para os resultados e notoriedade.

Em síntese, conseguimos em 2011 obter resultados operacionais positivos, quer na SATA Açores, quer na SATA internacional. Os resultados operacionais aumentaram 9 milhões de euros, não obstante a descida de proveitos de 13 milhões de euros, o que só foi possível graças a uma redução de custos operacionais de 22 milhões de euros.

Oferecemos em contraciclo soluções mais competitivas. Os indicadores financeiros mantiveram-se estáveis. O ano de 2011 foi um ano de muito trabalho, em que os colaboradores da SATA estiveram inexcedíveis no seu contributo.

HR: Qual a estratégia do Grupo SATA?

António Menezes: A estratégia passa por afirmarmo-nos em mercados internacionais importantes para os Açores, nomeadamente EUA, Canadá e Alemanha, continuar a reduzir custos operacionais e inovar nos processos, de modo a simplificar toda a nossa operação, tornando-a mais eficiente e tornando-nos mais próximos dos nossos passageiros.

HR: O crescimento das low-costs na Europa e nos EUA tem sido significativo. Que impactos na vossa estratégia?

António Menezes: A SATA tem-se antecipado a esta tendência de crescimento das low-cost de forma eficaz. Hoje em dia, o leque tarifário de uma companhia aérea é muito heterogéneo. Na SATA adoptámos, certas práticas que nos permitem ser mais agressivos ao nível dos preços, desde logo, tarifas promocionais (one-way e round-trip) e usamos mecanismos que introduzem maior transparência no tarifário, em particular na Web.

No mês passado, lançámos uma nova valência no nosso site: um motor de busca de tarifas promocionais, que permite perceber de modo muito gráfico, fácil e intuitivo quais as datas com as melhores tarifas. A transparência é total. Inclusive, disponibilizamos em tempo real o número de lugares disponíveis a cada tarifa promocional por voo por dia e o número de tarifas vendidas. Por conseguinte, o tarifário da SATA comporta soluções adequadas a quem procura tarifas competitivas, tipicamente associadas às ditas low-costs.

No entanto, e como se sabe, a proposta de valor da SATA não assenta exclusivamente no preço, mas sim na relação qualidade-preço.

HR: Disse que quer reforçar a presença da SATA em mercados internacionais críticos para os Açores, em particular, América do Norte, Canadá e Alemanha. Como decorre este processo?

António Menezes: Temos a forte convicção que os Açores são um destino turístico com muito para crescer, devido à unicidade da sua proposta de valor. Estando os Açores no meio do Atlântico, faz sentido comunicarmos em ambos os lados do Atlântico. Este processo está a decorrer com um grande ímpeto inovador, uma vez que passámos, no caso dos EUA e do Canadá, de uma operação charter para uma operação regular, com distribuição de tarifas e assentos nos GDS e presença on-line.

Firmámos parcerias com companhias áreas de referência como a TAP, US Airways e WestJet, o que nos permite captar tráfego de mais pontos da América do Norte para os Açores e para Portugal Continental. Em breve, anunciaremos mais parcerias com outras companhias aéreas norte-americanas.

HR: O Brasil é um mercado apetecível?

António Menezes: Solicitámos licenças para uma operação regular Lisboa-Salvador e Lisboa-Recife e obtivemos autorização por parte do Estado português. De momento, aguardamos as licenças por parte da ANAC [Autoridade Nacional de Aviação Civil do Brasil]. É um mercado que tem muito potencial. Obviamente que existe uma oferta formidável por parte da TAP, que é nossa parceira. No entanto, a SATA pode apresentar uma proposta de valor competitiva e ajudar a fomentar, à escala da SATA, os fluxos entre o Nordeste do Brasil e Portugal, mercado onde a SATA já operou em formato charter e agora procura operar em formato regular.

HR: Quais os pontos diferenciadores da SATA?

António Menezes: A nossa fiabilidade, simpatia e inovação. São os nossos valores corporativos que distinguem a nossa proposta de valor.

HR: A SATA enquanto companhia aérea mais antiga de Portugal, com 71 anos, exigia um reposicionamento na área de RH?

António Menezes: Sim, era uma empresa incrivelmente conservadora, o que se poderá explicar por ser uma empresa antiga, pública, que opera num sector altamente regulado e sindicalizado. Uma companhia aérea nos dias de hoje tem que ser extremamente competitiva para ser sustentável, e para ser competitiva tem que ser flexível mas resiliente, o que implica um mindset colectivo de uma fortíssima disponibilidade e uma enorme paixão pelo que se faz. Para tal foi preciso refundar, com ambição, os RH, que estavam muito presos a um pilar tradicional da gestão das relações sóciolaborais, da contratação colectiva, e estritamente administrativo, para um pilar da gestão mais ambicioso e moderno.

Nomeadamente, garantir que nos RH os processos estratégicos – desde a selecção ao recrutamento, o acolhimento, a formação, o desenvolvimento de carreiras e a gestão de talento – ocorram de forma articulada com o que se pretende para a organização, desde a visão, a missão e os valores corporativos.

HR: Iniciaram assim um projecto estratégico de RH de nome “Quality & You”.

António Menezes: O projecto afirma o colaborador SATA como a peça-chave da qualidade percepcionada pelo passageiro. Nos dias de hoje só se formos portadores de uma proposta de valor com elevada qualidade é que seremos competitivos no ambiente em que vivemos. A qualidade será sempre estritamente determinada pelos nossos colaboradores.

Costumo dizer que a SATA só tem dois activos verdadeiramente seus: a sua marca e os seus colaboradores, pois tudo o resto é totalmente replicável. “Quality and You” é um projecto muito ambicioso e transversal que alinha os processos estratégicos de RH com a visão de longo prazo da companhia. De facto, temos que ter uma proposta de valor com muita qualidade.

E quem é o diferenciador da nossa proposta de valor? É o próprio colaborador. Naturalmente que existem vários projectos que dão corpo a esta abordagem mais sistémica dos RH. Inclusive, a SATA está a investir num centro de formação aeronáutica na ilha de Santa Maria, que será uma mais-valia para a área da formação da SATA.

HR: De que forma desenvolve e mantém motivados os seus talentos?

António Menezes: É um tema que nos diz muito e temos ainda muito para melhorar. Sendo um sector muito regulado com acordos de empresa muitos restritivos, não somos uma empresa que se baseia no mérito: a componente antiguidade e a proficiência técnica pesam muito na determinação da evolução da carreira.

O desafio que estamos a encetar é pôr a qualidade percebida pelo cliente no centro do nosso foco colectivo e a partir daqui determinar o gradiente de recompensa que os colaboradores devem ter, em função do seu contributo para esta qualidade percebida. Queremos ser uma organização positiva, onde se celebra o sucesso, onde há espaço para a partilha “bottom up” das ideias e inovações e temos conseguido esse espírito na celebração dos contributos, o que é altamente motivador.

HR: E isso faz-se com comunicação interna.

António Menezes: Sem dúvida. Somos uma empresa geograficamente dispersa e sectorialmente dividida, o que requer uma nova disponibilidade de gestão quer de topo quer intermédia para comunicar. Por conseguinte, foi uma mudança de paradigma total. A comunicação interna é exercida a vários níveis, desde o presencial – com reuniões de primeira linhas, que servem para o debate, a troca de ideias, de visões, de onde nascem os consensos e a partilha de informação; reuniões de quadros mais alargadas; e reuniões sectoriais com a gestão de topo – às ferramentas tecnológicas, como a intranet MySATA.

Produzimos a newsletter TEAM SPIRIT que comunica questões da estratégia ou projectos corporativos e fomenta o sentimento de pertença e o espírito de equipa. Paralelamente, há acções mais cirúrgicas no âmbito dos processos estratégicos dos RH, como por exemplo o projecto “Quality and You” ou o “Team Up” – a construção de um referencial de liderança comum, de forma a que cada passageiro em qualquer ponto de contacto com a SATA reconheça na atitude dos colaboradores um denominador comum, marcado por um cuidado muito particular.

E há outros projectos que procuram comunicar o sentido de responsabilidade social e ambiental da companhia, como por exemplo o “Flying Dreams”, o “SATA Forest” e o “Flying to Save”. Há também acções no âmbito dos RH que concorrem para o mesmo objectivo de motivação e sentimento de pertença, como o Team Building associado às auditorias da qualidade de serviços.

HR: Assumiu a presidência do Grupo SATA em 2007, tinha 34 anos. Que características o fizeram ter sucesso?

António Menezes: Acredito que tenha sido o meu percurso académico e profissional muito sério, com competências analíticas evidentes e características pessoais de extrema seriedade, total lealdade e evidente disponibilidade. Sou academicamente bem preparado e humanamente bem formado. O meu estilo de liderança é por envolvimento, procuro acima de tudo transmitir uma visão para o longo prazo da companhia e a partir desta visão partilhá-la com todos os stakeholders, tendo o cuidado de neste processo garantir que esta visão é desdobrada em projectos que consubstanciam uma estratégia que vai fazer com que esta visão se materialize.

HR: É formado em Economia. Ligado ao ensino e investigação, passou por várias empresas da área do turismo e da construção. Qual o seu trabalho de sonho?

António Menezes: Sonhava seguir Economia, desde cedo. Licenciei-me, tirei o mestrado e doutorei-me em Economia, mais tarde fiz um pós–doutoramento, investiguei e leccionei em Economia. É uma área que me fascina, perceber como as sociedades se organizam para promover o seu desenvolvimento e o seu crescimento e desde muito cedo tive uma vocação muito clara e assumida nesta área. Tenho um apreço muito grande pelo ensino e educação, que está na base de todo o desenvolvimento.

A universidade é a casa de excelência onde se promove este fomento pelo conhecimento. No caso particular, sendo oriundo dos Açores obviamente que a SATA é uma empresa importante, que assume um aspecto fundamental em todos os aspectos da nossa vida, quer no plano económico, social e até mesmo cultural.

HR: Quais as novas tendências na gestão de RH e liderança?

António Menezes: Em relação aos RH, é imperativo promover o envolvimento das pessoas. Na aviação comercial, estamos perante uma actividade de prestação de serviços, pelo que o conceito de gestão de qualidade é muito particular e só será bem-sucedido através de uma grande preparação e disponibilidade dos colaboradores, o que justifica a necessidade de envolvimento. A eficácia deste envolvimento será assegurada pelo correcto alinhamento entre a visão, missão e os valores corporativos da organização e os pertinentes processos estratégicos de RH.

Em relação à liderança, julgo que as primeiras linhas têm que ter um papel activo na antecipação das macro e microtendências que impactam a sustentabilidade da organização e têm que ser agentes activos na preparação proactiva da organização para beneficiar destas tendências. Por exemplo, na SATA procuramos que todas as primeiras linhas estejam activamente comprometidas com a nossa capacidade em fazer face a macrotendências (como o aumento do preço do jetfuel, o crescimento das low-cost e a necessidade de crescermos fora de Portugal) e microtendências (como a necessidade de termos os passageiros sempre informados, inclusive via uso de smartphones e web e disponibilidade dos colaboradores para informarem o passageiro).

HR: Como gostaria de ver a SATA projectada nos próximos anos a nível local e internacional?

António Menezes: Queremos que a SATA seja percebida como a síntese perfeita entre a nossa raiz identitária Açoriana e uma companhia aérea que se quer competitiva à luz dos paradigmas da aviação civil do século XXI. A nossa imagem corporativa procura revelar esta ambição, na medida em que procura transmitir uma clara raiz identitária Açoriana e uma empresa competitiva.

 

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