Indústria farmacêutica: Dinâmica de mudança

A Human Resources reuniu, num pequeno almoço, quatro responsáveis de Recursos Humanos da indústria Farmacêutica, para falar dos desafios do sector. Foi consensual a ideia de que se vive actualmente um paradigma de mudança acentuada, que para dar resposta aos novos desafios do mercado é preciso uma nova cultura, e que isso só se consegue envolvendo e comprometendo todas as pessoas. 

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Sérgio Miguel

 

A Human Resources Portugal organizou pela primeira vez um pequeno-almoço sectorial, reunindo várias responsáveis de Recursos Humanos da área farmacêutica. Sendo das indústrias mais inovadoras, e na linha da frente em diversos aspectos, procurámos perceber que impacto isso teria, ou não, nos processos e práticas de Gestão de Pessoas. E assume esta área, de facto, um papel estratégico no negócio? Dada a elevada especialização, só recrutam talento num “circuito fechado”? Quais os principais desafios deste sector?

Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati, Eunice Antunes, directora de Recursos Humanos e COE Iberia Talent Management da Sanofi, Elisa Bernardo, directora de Recursos Humanos da Pfizer, e Isabel Ferreira, directora de Recursos Humanos da Medinfar, reflectiram sobre estes e outros temas, partilhando também as suas experiências. Estas especialistas reuniram-se no Vila Galé Ópera, em Lisboa, no passado mês de Setembro.

 

Mudar a mentalidade

Nas primeiras intervenções da manhã ficou logo desfeito um dos “mitos” associados a esta indústria. Pelo menos tendo em conta a amostra à volta da mesa, no sector farmacêutico não se recruta só em “circuito fechado”. Pelo contrário. Nenhuma das directoras de Recursos Humanos presente tinha experiência prévia na indústria farmacêutica, sendo oriundas de áreas tão diversas como Consultoria, Banca, área Petrolífera e Telecomunicações.

«Por actuarmos numa indústria que tem de estar sempre na linha da frente, a nossa política de recrutamento, hoje, passa muito por experimentar coisas novas, sair do tradicional e arriscar, quer seja indo buscar pessoas que não são do sector para trabalhar em funções de raiz claramente farmacêutica, quer dando oportunidade a pessoas dentro da empresa para abraçar desafios noutras áreas», salientou-se, dando um exemplo: «Há uns tempos, entendemos que uma área de negócio tinha de ser estimulada. Não quisemos ir ao mercado nem ir buscar ninguém daquela linha de negócio, apostando, ao invés, em alguém, dentro da organização, de uma área completamente distinta, mas que conhecia muito bem o negócio. Não é possível estender isto a todas áreas, porque descaracterizávamos a estrutura, mas naquele caso em concreto resultou bem.»

No entanto, admitiu-se que, há uns anos, existia algum “exclusivismo” ou “snobismo” na indústria farmacêutica. «Ir buscar uma pessoa que está a fazer o mesmo, no mesmo sector, não traz valor acrescentado. Temos é de recrutar pessoas com um mindset diferente. Mas, de facto, não existia essa mentalidade. As pessoas estavam cristalizadas nas funções. Para contrariar isso, o nosso grupo tem um projecto de diversidade, que significa precisamente ter pessoas de diferentes perfis, que questionem a organização e o status quo instalado. Foi por isso que me recrutaram, vinda de um sector distinto, para fazer uma das maiores reestruturações da empresa em Portugal.»

É inegável, e comum a todas as empresas representadas no pequeno-almoço da Human Resources, que se vive um paradigma e uma dinâmica de mudança, que ainda se mantém. «O posicionamento das empresas da indústria farmacêutica em relação ao exterior mudou. Existia de facto tendência para viver fechada sobre si porque era um mercado de estabilidade, que crescia muitas vezes a dois dígitos, as margens eram grandes, o Orçamento de Estado permitia outros investimentos, e por isso tínhamos a vida muito facilitada. Mas isso mudou. As alterações que existiram em Portugal, nomeadamente no sector da Saúde, obrigaram a indústria a assumir um posicionamento diferente.»

No mesmo sentido, acrescentou-se: «A indústria farmacêutica não mudou até ter sido obrigada. Viveu-se muito tempo na sombra da “fartura”, até ao momento de ruptura, de crise. Todos os sectores passaram por isso, pela necessidade de reestruturação, só que a este sector essa necessidade chegou mais tarde.»

A nova realidade obrigou a que as empresas da indústria farmacêutica «passassem por períodos de reestruturação interna, para adaptar o modelo de negócio às novas exigências do mercado», recordou-se. «No fundo, o modelo de negócio alterou-se. Por exemplo, se até há 10 anos havia um grande foco na visita do delegado de informação médica e o médico tinha capacidade de decisão para prescrever o que entendesse, hoje já não é assim. Percebemos que tínhamos de nos reinventar e abrir mais ao exterior.»

Uma das responsáveis partilha que, em 13 anos, já mudou mais de 60% da estrutura da empresa. «É preciso pessoas com um caminho diferente do tradicional nesta indústria. A inovação é, para nós, um imperativo. Por isso, há três anos que temos um grupo de inovação composto por 45 pessoas de áreas completamente distintas da empresa, e já desenvolvemos vários produtos novos internamente. Temos de repensar o negócio e acredito que estamos a caminhar para aí. Actualmente, a aceleração é outra, mas as margens também, pelo que a gestão muitas vezes tem alguma cautela na mudança radical de perfil.»

Mas, mais do que ter um “modus operandi” específico, o desafio é sobretudo conhecer o negócio. «E conseguir perceber, hoje, aquilo que devíamos ser amanhã, e o que temos de fazer para lá chegar, nomeadamente de que talentos, formação e estratégias diferentes precisamos para isso», destaca-se. «Quando se conhecem diferentes actividades, de facto há especificidades, mas estamos a trabalhar com pessoas, e os problemas são os mesmos», concorda outra especialista. «Até quando estive fora de Portugal percebi que, nesse aspecto, somos todos iguais, independentemente do sector. As ansiedades, as questões de carreira, etc., são as mesmas. A forma como solucionamos essas questões é que pode ser diferente. Porque diferentes organizações trabalham meios e recursos de forma diferente, permitindo outras soluções.»

 

Técnica versus talento

Sendo que «produtividade e flexibilidade muitas vezes estão juntas», há outro desafio. «Até que ponto temos organizações maduras? Não termos escritório ou gabinetes e secretária própria é natural para pessoas que ainda estão habituadas a ter determinado estatuto? E, neste contexto, como se promove a identidade cultural?», questiona-se.

Seguindo este raciocínio, partilhou-se: «A caminhada não tem sido fácil, mas actualmente, e a propósito do recrutamento e da gestão de talento, apostamos em perfis absolutamente distintos. O que interessa é que as pessoas tenham potencial e que esse talento possa crescer e ser gerido dentro da organização. Esta dinâmica já se estendeu às áreas comerciais, onde tenho excelentes profissionais com vinte e tal anos de antiguidade, que naturalmente têm a ambição de ser chefes de vendas, mas nem todos podem lá chegar. O que precisam de perceber é que há outras áreas. Tenho trabalhado muito a transversalidade, no sentido de mudar esta mentalidade e promover a rotatividade interna.»

 

 

Leia a reportagem na íntegra na edição de Outubro da Human Resources, nas bancas.

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