Medidas laborais: O que se pode esperar em 2022

Ultrapassado o período eleitoral e definido que está quem irá governar o País nos próximos quatro anos, impõe-se perceber o que nos espera em matéria laboral.

 Por Nuno Ferreira Morgado, partner da PLMJ

 

Com um governo com maioria absoluta, existe uma oportunidade única para reformar a legislação laboral, modernizando-a e aproximando-a da realidade organizativa das empresas e das relações laborais que nelas existem, introduzindo medidas que reforcem a produtividade e de mecanismos de reposição de um certo equilíbrio das relações laborais.

Não é isso que vai acontecer e é fácil de perceber porquê. Vejamos:

Há uma visão pública das relações laborais que é caricatural, em que a empresa é vista como uma exploradora e o trabalhador é uma parte frágil, que tem de ser protegida, mas que não sabe como se proteger, pelo que o Estado se substitui a este e estatui essa protecção. Qualquer alteração à legislação laboral é, por isso, vista e analisada com esta visão miópica da realidade.

Se se introduz flexibilidade na legislação laboral, o que se pretende é destruir os direitos dos trabalhadores e aumentar a capacidade da empresa de explorar estes. Se se reforça o estatuto de protecção dos trabalhadores, está apenas a fazer-se a justiça devida de proteger aqueles que precisam, evitando os abusos dos empregadores. Os eleitores, a maioria dos quais vive com salários baixos e tem receios sobre o futuro do emprego, tem dificuldade em rejeitar eleitoralmente esta visão, dado que acreditam – errada, mas compreensivelmente – que a “flexibilidade laboral” é contrária aos seus interesses, elegendo maioritariamente os partidos cujos programas eleitorais se afastam dessa ideia.

Dessa forma, fecha-se o círculo dos factores que determina que, nos próximos quatro anos, não teremos qualquer reforma laboral.

 

O que podemos esperar então para os próximos quatro anos?

É de esperar que o Governo promova a “Agenda do Trabalho Digno”, anunciada nos últimos dias da anterior legislatura, a qual se caracteriza essencialmente por quatro vectores:

  1. a) Combate à precaridade: serão introduzidas restrições adicionais em matéria de sucessão contrato de trabalho a termo e de trabalho temporário. Adicionalmente, é reforçada a presunção de existência de contrato de trabalho para os trabalhadores de plataformas electrónicas que torna praticamente impossível a não existência de relações laborais nestes domínios;
  2. b) Reforço do equilíbrio entre a vida profissional e familiar: em diferentes dimensões como as licenças de parentalidade, a protecção dos cuidadores informais e a promoção de tempos de traba­lho e não trabalho mais equilibrados, incluindo a prevenção do recurso excessivo ao trabalho suplementar
  3. c) Reforço dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT): pretende-se tornar definitiva uma medida que surgiu no contexto da pandemia e que possibilidade à ACT decidir a suspensão de despedi­mentos com indícios de ilicitude, reforçar os poderes para forçar a conversão de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado e clarificados os termos da aplicação da acção especial de reco­nhecimento da existência de contrato de trabalho para abranger os empresários em nome individual.
  4. d) Contratação Colectiva de Trabalho: é alargado o período de suspensão de prazos de caducidade das convenções colectivas de trabalho e que, materialmente, irá impedir a cessação de vigência de vários instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

 

Não são, por isso, boas notícias para as empresas e, sejamos claros, também não são boas notícias para os trabalhadores. Manteremos, em 2022 e nos próximos anos, uma legislação desactualizada, rígida, que não permitirá o crescimento de salários médios e que não reagirá bem à crise económica (que se adivinha estar ao virar da esquina).

É necessário reflectir, de forma alargada, sobre como se poderá melhorar este quadro, designadamente identificando o que trabalhadores e empresas têm a ganhar com uma reforma da legislação que melhore a sua utilização e a sua utilidade, que lhe permita passar a ser um factor de competitividade e de crescimento do País, que promova a subida dos níveis de riqueza dos portugueses e das suas empresas.

Uma sociedade civil activa, que contribua positivamente para a reflexão das melhores soluções, é a chave para desatarmos o nó górdio do imobilismo nacional endémico. Tudo depende de nós e da nossa capacidade de, colectivamente, influenciarmos as opções políticas.

 

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro (n.º 134) da Human Resources, nas bancas.

Caso prefira ler online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

 

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