O grande lockdown, visto de perto do epicentro

CEO da L’ Oréal Tailândia, Laos, Cambodja & Myanmar, Inês Caldeira partilha não só os principais desafios do actual momento, mas também de uma carreira internacional, que acabou por se tornar «um modo de vida».

 

Por Ana Leonor Martins

 

A primeira experiência de Inês Caldeira como expatriada foi aos 25 anos. Destino: Paris, cidade à qual voltaria também para trabalhar quatro anos depois. Em 2010, o desafio foi no país vizinho. Mas foi em Portugal que não só se tornou a primeira mulher, mas também a mais jovem profissional de sempre (35 anos), a assumir o cargo de general country manager (2014). Quatro anos depois rumaria para uma aventura na Ásia. Todas estas experiências viveu-as na L’Oréal, onde entrou a 25 de Julho de 2001. Garante que cresceu na empresa que a faz feliz. E que, 19 anos depois, continua a sentir o mesmo.

Acredita que um bom líder nunca deixa de aprender e partilha que, nestes últimos meses, aprofundou algumas características: pragmatismo, capacidade de tomar decisões sem conhecer todos os dados, delegação, rapidez e agilidade.

 

Temos de começar pelo incontornável tema do momento… a pandemia COVID-19. Estando “perto” do epicentro, como acompanhou este tema, desde o início?
As primeiras ondas de choque começaram no final de Janeiro, altura do Ano Novo Chinês e um momento alto de turismo. A afluência este ano foi já menor do que se esperava, indicando uma contracção que viria a ter uma amplitude muito maior em Fevereiro.

Como 17% do Produto Interno Bruto (PIB) tailandês resulta do turismo, o lockdown de Wuhan e da China foram duramente sentidos na economia local. A proximidade geográfica e a memória da SARS fez com que muitas medidas fossem tomadas com antecedencia.

 

E enquanto CEO da L’Oréal Tailândia, Laos, Cambodja & Myanmar, como reagiu, e geriu, esta crise? O que é que foi para si prioritário assegurar?
A guideline do grupo a nível mundial foi clara desde o primeiro minuto: segurança dos colaboradores e parceiros de negócio em primeiro lugar. Não houve qualquer hesitação ou transgressão neste campo. Posso garantir-lhe que essa continuará a ser a “estrela-norte”.

O governo tailandês não impôs o trabalho a partir de casa, mas fomos das primeiras empresas a adoptar esta medida. Era importante para nós minimizar a utilização de transportes públicos – mais de 70% das nossas equipas não têm carro próprio – e proteger as famílias dos nossos colaboradores, uma vez que mais 80% vivem em casa com os pais ou sogros, dado ser uma sociedade extremamente matriarcal.

O distanciamento físico deu lugar à necessidade de um management de maior proximidade emocional. Sobre o lema de “distanciamento físico e não social”, tivemos town halls semanais, sessões de learning diárias, challegens de ioga, e Tik-Tok.

Adoptámos a mesma estratégia com os nossos clientes, estabelecendo plataformas de conteúdo e educação, em particular com os cabeleireiros que viram o seu negócio colapsar de um dia para o outro.

 

Diria que estavam “preparados” – tanto quanto possível – para uma situação como esta?
O que se viveu não tem precedentes. Todas as empresas da nossa dimensão têm planos de continuidade que cobrem, entre outros, desastres naturais. Mas a crise provocada pela COVID-19 tem uma tripla componente: crise sanitária, crise política, crise económica. É a tempestade perfeita.

Dentro deste contexto, o Grupo L’Oreal geriu a crise com humanidade, com agilidade e com um enorme sentido de responsabilidade.

 

O que foi, ou está a ser, mais difícil de gerir?
Diria que a dimensão sanitária desta crise, por ser, em muitos casos, uma questão de vida ou morte e por todas as incertezas que a rodeiam, foi o mais difícil.

Dito isto, a extrema disciplina do povo tailandês e certos aspectos culturais como o “wai” – forma de cumprimentar os outros, permitiram que, ao dia de hoje, felizmente, não tivesse de gerir nenhum caso de infecção na equipa.

 

Estabeleceu sinergias com outras localizações, nomeadamente com Portugal?
O contacto com a região Ásia-Pacífico foi permanente, porque, como se pode imaginar, a aprendizagem chinesa foi muito útil. Todas as semanas estive em contacto com os CEO dos diferentes países da região, num espírito de enorme abertura, partilha e solidariedade. E segui muito de perto a situação em Portugal e considero exemplar o que foi feito a nível do País e da filial portuguesa.

 

Qual o ponto de situação actualmente?
Num país com 67 milhões de habitantes, o número de casos acumulado é de 3037 casos, com menos de 70 mortos. Nas últimas semanas, o número de novos casos tem vindo a ser de apenas três. Assim, diria que é uma pandemia com números controlados, mas que provocou medo e uma diminuição de consumo importantes.

 

O que será fundamental, nesta fase, em que se tenta a retoma? Como é que está a ser preparada?
A segurança tem de continuar a ser a palavra de ordem. Só quando as pessoas se sentirem seguras poderá haver uma retoma económica estável e sustentável.

O mesmo se aplica às equipas. Temos de estar preparados para as mais diferentes reacções e casuísticas.

Do ponto de vista do consumo, tem de voltar a investir-se massivamente em media e criar as condições aos negócios – salões, restaurantes, lojas de comércio – para que retomem rapidamente.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Junho (nº. 114)  da Human Resources, nas bancas.

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