O novo mundo das organizações: Ou um extremo, ou o outro

Com as redes sociais a moldarem a nossa vida em sociedade, parece que temos sempre de nos encaixar numa categoria simplista. Não há espaço para opiniões mais aprofundadas do que dicotomias superficiais. O mundo, em toda a sua complexidade social, está agora condicionado frequentemente a opções redutoras como “estou a favor” ou “estou contra”. E o problema é quando algumas das dinâmicas subjacentes das redes sociais se transmutam nas organizações.

 

Por Fernando Pinto Santos, professor coordenador e director do mestrado em Marketing e Tecnologia do IPAM

 

No outro dia, contaram-me o caso de uma nova administração de uma empresa, na área do Retalho, que estava a fazer reuniões internas com diferentes departamentos para os conhecer e ouvir, como é defendido nos livros de gestão e nas ted talks da moda. O responsável do serviço pós- -venda apresentou-se e começou por referir que eram necessários mais recursos financeiros e, em particular, um investimento em novos recursos humanos para que a sua equipa pudesse desempenhar bem as suas tarefas. A resposta foi imediata, e algo como um “começamos mal!” foi lançado num tom subitamente exasperado pelo responsável da administração, juntamente com um olhar de desprezo evidente.

Lá se foram pelo cano abaixo todas aquelas frases bonitas sobre comunicação interna, abertura às ideias de todos e desenvolvimento organizacional. O sinal foi claro para todos os presentes na reunião: a nova administração não estava ali para realmente ouvir ninguém. A administração estava ali para se ouvir a si própria e às suas macro-definições estratégicas, bem distantes da realidade da experiência dos clientes e das condições de trabalho dos funcionários. No belo mundo de muitas organizações contemporâneas só há um caminho: unanimismo. Temos a opção de estar de acordo com os líderes do momento, ou seremos vistos no outro extremo, como estando contra estes.

Isto é muito pouco saudável, não é? Onde fica o espaço para perspectivas novas, discussão de experiências e reflexões sobre o que poderia ser diferente? Nas redes sociais, ou escolhemos “gosto” ou não o fazemos. Com certeza que também podemos escolher um símbolo de polegar para cima, ou um coração, entre outros, mas no fundo apenas temos a possibilidade de expressar reacções essencialmente positivas ou negativas. Para além disso, as redes sociais têm uma lógica de conteúdo baseada em pouco ou nenhum contexto. E parece assim que, no novo mundo das redes sociais, se tornou normal não termos vontade de ouvir realmente, e em detalhe, quem discorda de nós. Aliás, não há tempo sequer para o fazermos. Ou estamos contra ou a favor, simplesmente, em relação a tudo, e frequentemente de uma forma superficial. Como os algoritmos destas redes alimentam o nosso feed com conteúdos de quem pensa de forma similar, habituamo-nos à ausência de reais debates e troca de ideias.

Em organizações com ambientes saudáveis, os líderes devem fomentar a pluralidade, a iniciativa e a capacidade de análise, reflexão e sentido crítico. O problema é quando os líderes se tornam – mesmo que inadvertidamente – promotores da ausência destas qualidades.

Mais do que colaboradores desmotivados, preocupam-me lideranças motivadas pela sedução da burocracia e da quantificação de tudo, pela ideologia de resultados a qualquer custo, e pela ânsia de promover um caminho único – aquele que elas decidiram, naturalmente –, condicionando as suas equipas a pensar e agir de forma semelhante. Eu diria que este tipo de liderança é muito pouco sustentável, mas há organizações que só se apercebem disso quando é demasiado tarde.

 

Este artigo foi publicado na edição de Março (nº. 159) da Human Resources.

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