Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): Portugal está a ficar para trás no cumprimento da Agenda 2030. Veja os números

«A meio do prazo da Agenda 2030, a edição especial do Relatório de Progresso dos ODS mostra que estamos a deixar mais de metade do mundo para trás. O progresso em mais de 50% das metas dos ODS é fraco e insuficiente; em 30% estagnou ou inverteu. Estes resultados incluem metas-chave em matéria de pobreza, fome e clima. A menos que actuemos agora, a meta da Agenda 2030 poderá tornar-se um epitáfio para um mundo que poderia ter sido.» Quem o diz é António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no prefácio daquela edição.

 

“Não deixar ninguém para trás” foi o princípio basilar da Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, que agora, a meio caminho de 2030, parece impossível. Uma avaliação de cerca de 140 metas, para as quais existem dados disponíveis, mostra que cerca de metade estão longe de ser alcançadas; e mais de 30% não registou qualquer progresso ou regrediu abaixo da linha de base de 2015.

No contexto europeu, a mais recente edição do Relatório Europeu sobre o Desenvolvimento Sustentável (ESDR), que faz o acompanhamento anual dos progressos alcançados em matéria de ODS pela UE e pelos seus Estados-Membros, indica que, ao ritmo actual, a UE não conseguirá atingir um terço das metas para o ano 2030.

Além disso, reporta a existência de diferenças significativas entre os países, que vão desde um quarto das metas não alcançadas na Europa do Norte e Ocidental, para cerca de metade em média, no Sul da Europa e na Europa Central e Oriental.

O índice “Leave no one behind”, incluído no relatório, mede as desigualdades dos países em quatro dimensões: pobreza extrema e privação de bens materiais; desigualdade de rendimentos; desigualdade de género; e acesso a serviços e qualidade dos mesmos. O índice mostra progressos mínimos, e até retrocessos, em três das quatro dimensões na maioria dos países europeus desde 2020. No caso da dimensão “acesso a serviços e qualidade dos mesmos”, 32 dos 34 países europeus incluídos no ranking não apresentam qualquer progresso ou inclusivamente retrocederam.

No ranking europeu, Portugal ocupa a 20.ª posição (em 34 países), com uma performance de 70.0. Ainda que tenha alcançado as metas em três ODS (1, 6 e 10), apresenta desafios consideráveis nos ODS 2, 4, 6, 9, 11, 13, 16 e 17), e desafios significativos nos ODS 12, 14 e 15.

No índice “Leave no one behind”, o País regista uma pontuação de 71,2, sendo que a média da EU se situa nos 74,5.

Na sua mais recente publicação nacional de acompanhamento estatístico da Agenda 2030 da ONU, “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável: Indicadores para Portugal | Agenda 2030”, o Instituto Nacional de Estatística (INE) analisa resumidamente a evolução e desempenho dos 17 ODS no País.

ODS 1| Erradicar a pobreza

Dos vários indicadores analisados, foi possível reduzir a população em risco de pobreza de 19,0% em 2015 para 16,4% em 2021, incluindo os grupos mais vulneráveis como as crianças e os idosos. Também se registou um aumento de 61,6% para 63,9% da proporção total das despesas públicas em educação, saúde e protecção social, entre 2015 e 2021.

ODS 2 | Erradicar a fome

Neste objectivo, houve indicadores com nota negativa como o aumento da obesidade – 16,9% da população residente com mais de 18 anos em 2019 (face a 16,4% em 2014) – e um elevado índice nos preços da alimentação (0,382 em 2015 e 1,342 em 2020).

ODS 3 | Saúde de qualidade

Portugal registou avanços notáveis em indicadores como taxas de mortalidade materna e mortalidade infantil e neonatal, tendo inclusivamente alcançado as metas a que se propôs. Também viu diminuir os números da mortalidade atribuída a doenças do aparelho circulatório, tumores malignos, diabetes mellitus e doenças crónicas respiratórias, e da mortalidade por acidentes rodoviários.

Além de uma maior cobertura vacinal, entre 2015 e 2021, por 1000 habitantes, aumentou o número de médicos (de 4,7‰ para 5,7‰), enfermeiros de 6,5‰ para 7,8‰; profissionais de farmácia de 1,5‰ para 2,0‰; e médicos dentistas de 0,9‰ para 1,1‰.

Contudo, verificou-se um ligeiro decréscimo de 99,9% em 2015 para 99,1% em 2021 na proporção de nascimentos (nados-vivos) assistidos por pessoal de saúde qualificado e um aumento de 2,2 em 2015 para 4,0 em 2020 da taxa de mortalidade, por 100 mil habitantes, atribuída a fontes de água inseguras, condições de saneamento inseguras e falta de higiene.

ODS 4 | Educação de qualidade

No que diz respeito à educação, em 2021 atingiram-se 96,9% nas taxas de conclusão do ensino básico e secundário e 91,7% no ensino secundário, com uma taxa de escolarização próxima da meta de 100%: 99,2% no ano lectivo 2020/2021. Também houve progressos favoráveis e paridade de género nas competências digitais nos adultos: de 47,7% em 2015 para 55,3% em 2021; índice de paridade de género de 0,93 em 2015 e de 1,10 em 2021.

Nota negativa vai para as competências em leitura que retrocederam, diminuindo de 82,8% em 2015 para 79,8% em 2018.

ODS 5 | Igualdade de género

Neste tema, Portugal continua a avançar lentamente. Não obstante a existência de quadros legais que promovem, fazem cumprir e monitorizam a igualdade de género e a proporção de mulheres dirigentes na administração pública ser superior a 50%, mantêm-se as disparidades na participação cívica e política – apenas 37% na Assembleia da República em 2022 (85 mulheres num total de 230 deputados) – e em cargos de chefia (3,1% em 2022).

ODS 6 | Água potável e saneamento e ODS 7 | Energias renováveis e acessíveis

Nestes dois objectivos, Portugal alcançou níveis de excelência, nomeadamente na qualidade da água para consumo humano, com a meta de 2030, de 99%, atingida em 2021, e todas as bacias hídricas transfronteiriças abrangidas por acordos de cooperação internacional. A meta de 31% de energia proveniente de fontes renováveis em 2020 foi igualmente ultrapassada, tendo atingido a maior proporção de sempre em 2021 (34%).

ODS 8| Trabalho digno e crescimento económico

Neste âmbito, os pontos positivos vão para indicadores como o aumento do PIB per capita de 17,4 mil € em 2015 para 20,8 mil € em 2021, uma taxa de desemprego de 6% em 2022 (inferior à média europeia, 7%) e o valor mínimo desde 2015 na taxa de jovens não empregados/ integrados em educação ou formação em 2022 (9,4%).

Do lado negativo, destaque para o ganho médio horário, em 2018, de 7,7 euros, metade da média europeia que se cifra nos 15,4 euros e para a diminuição da protecção dos direitos laborais fundamentais em 2022 (0,65 pontos numa escala de 1). Também a incidência de acidentes de trabalho não fatais, por 100 mil empregados, ter tido progressos, entre 2015 e 2020, de 2 954 para 2 260, mantém-se bastante superior à observada na UE27 (de 1 675 para 1 603).

ODS 9 | Indústria, inovação e infraestruturas

Neste objectivo, Portugal apresentou avanços consideráveis, nomeadamente na população coberta por rede móvel (em 2021 atingia os 99,9%), no aumento do peso das indústrias de alta e média tecnologia no valor acrescentado bruto (VAB) da indústria transformadora: de 22,9% em 2015 para 23,7% em 2021, e na diminuição de emissões de CO2 por unidade de VAB, de 0,344 kg CO2/€ em 2015 para 0,269 kg CO2/€ em 2021.

Todavia, a proporção de despesa em investigação e desenvolvimento (I&D) no PIB mantém-se longe da meta de 3% até 2030 (1,61% em 2021), e, na indústria transformadora, o desempenho permanece desfavorável nas dimensões de emprego (diminuição da população empregada de 17,7% em 2015 para 16,8% em 2022) e peso das microempresas no valor acrescentado desta indústria (8,1% do VAB em 2015 vs. 7,3% em 2021).

ODS 10 | Reduzir as desigualdades

Neste âmbito, verificou-se um progresso favorável do peso do trabalho no PIB desde 2015, de 46,7% para 51,6% em 2020 bem como uma diminuição da percentagem de pessoas a viverem em agregados familiares com rendimento inferior a 50% do rendimento mediano, de 13,0%, em 2015, para 10,0%, em 2021. Não obstante a contração em 2020 nos 40% de população mais vulnerável economicamente, houve um aumento do rendimento médio de 10 562 €, em 2015, para 13 148 € em 2021; e de 5 132 € para os mais vulneráveis em 2015 para 6 851 € em 2021.

Em 2020, a proporção da remuneração dos empregados no PIB situava-se nos 48,8%, acima da média europeia de 47,7%. Também a avaliação internacional indicou uma melhoria em políticas de migração, atingindo a classificação máxima em 5 domínios.

Contudo, a tendência no impacto redistributivo da política fiscal foi desfavorável, sendo que o coeficiente de Gini do Rendimento monetário líquido por adulto equivalente passou de 33,9% em 2015 para 32,0% em 2022.

ODS 11 | Cidades e comunidades sustentáveis e ODS 12 | Produção e consumo sustentáveis

Nestes dois objectivos, a média foi positiva, com um decréscimo da proporção da população residente em alojamentos não clássicos para 0,11% no Censos 2021 e da taxa de privação severa das condições da habitação, de 4,7% em 2015 para 3,9% em 2020; e um aumento da despesa pública em serviços culturais de 167,2 milhões € em 2015, para 207,8 milhões € em 2020.

Ainda que se tenha verificado uma redução na percentagem de resíduos perigosos gerados de 10,3% em 2015 para 9,2% em 2021, e um progresso favorável nas taxas de reciclagem, de 36,1% em 2015 para 38,0% em 2020, este indicador mantém-se ainda aquém da meta nacional para 2020 (50%) e longe da meta para 2030 (55%). Também houve um aumento de resíduos urbanos nas cidades e per capita, de 4,8 milhões de toneladas em 2015 para 5,3 em 2020.

ODS 13 | Acção climática, ODS 14 | Proteger a vida marinha e  ODS 15 | Proteger a vida terrestre

A nível ambiental, Portugal registou alguns indicadores positivos como a meta nacional na redução no total de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) de 2020 ultrapassada (-18% a -23%), mas longe da meta de -45% a -55% até 2030; bem como a redução no nível de emissões de GEE per capita de 6,5 t CO2 eq em 2015 para 5,6 t CO2 eq em 2020, situando-se abaixo da média europeia de 7,5 t.

Na classificação internacional no grau de implementação de instrumentos internacionais destinados ao combate da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, o País obteve nota máxima. A avaliação internacional considera igualmente que Portugal adoptou legislação nacional relevante e afectou recursos adequados para a prevenção ou o controle de espécies exóticas invasoras.

Não obstante, o progresso favorável na Ajuda Pública ao Desenvolvimento destinada à biodiversidade (de 0,37 milhões € em 2015 para 1,19 milhões € em 2021), apenas 7% das áreas marinhas estão protegidas, com uma meta de 10% até 2030, e a proporção de superfície das áreas classificadas manteve-se inalterada entre 2015 e 2021 (22,6%). Também se registou uma redução do peso do investimento em I&D em tecnologia marinha, de 2,1% em 2016 para 1,9% em 2021.

ODS 16 | Paz, justiça e instituições eficazes

Neste âmbito, os pontos positivos verificaram-se no número de crimes de homicídio, com uma descida de 100 em 2015, para 82 em 2021; no registo de nascimento de crianças portuguesas que alcançou os 100%; e no número de mulheres dirigentes na Administração Pública, que aumentou de 5 576 em 2015 para 7 668 em 2021.

No sentido oposto, registou-se um aumento da proporção de reclusos de 16,2% em 2015 para 18,5% em 2021 dos crimes de tráfico de pessoas de 53 em 2015 para 80 em 2021. A prontidão dos processos administrativos também regrediu, obtendo em 2022 uma classificação de 0,41 (numa escala de 0-1).

ODS 17 | Parcerias para a implementação dos objectivos

Portugal apresenta-se como tendencialmente “infoincluído”, com um aumento dos acessos à Internet de 30,3% em 2015 para 41,6% em 2021, e da percentagem de adultos que usam a Internet de 68,6% em 2015 para 84,5% em 2022. A percentagem da carga fiscal situava-se, em 2021, nos 35,8% do PIB (9,7% correspondendo a impostos directos, 15,5% a impostos indirectos, e 10,6% a contribuições sociais), inferior à média europeia de 2020 que se cifrava nos 40,2%.

Porém, está longe de alcançar a meta de Ajuda Pública ao Desenvolvimento e do seu peso no Rendimento Nacional Bruto (RNB) de 0,7% em 2030, com 0,18% registados em 2021. Quanto ao peso das remessas dos emigrantes e imigrantes no PIB, verificou-se um decréscimo de 1,55% em 2015 para 1,50% em 2021.

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