Os cisnes negros da liderança: Leadermotionalists

Os cisnes negros da Liderança são uma referência a líderes raros. E se já são raros os líderes com o dom da comunicação, a raridade aumenta se juntarmos empatia. E humildade, visão, pensamento crítico, carácter e carisma. São o que chamo “leadermotionalists”.

 

Por Ricardo Caldeira, autor dos livros “Liderança Emocional” e “Cisnes Negros da Liderança”, que será lançado em Setembro

 

Deixem-me lançar-vos um pequeno desafio. Se vos perguntasse o que é, para vocês, um bom líder, que características deve ter, o que me responderiam? Pensaram? Com base nessas conclusões, respondam-me a uma segunda questão: já tiveram bons líderes, líderes com esse perfil e características em que acabaram de pensar? Quantos?

Pois é… ou muito me engano, e vocês são uma excepção, ou a vossa resposta é aquela que penso, infelizmente. Fica mais perto de ser comprovada a minha teoria de que, de facto, estamos ainda longe de ter boas lideranças.

Vivemos no chamado mundo VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), agora mais referido como BANI (Frágil, Ansioso, Não Linear e Incompreensível), um mundo que achamos conhecer cada vez melhor, mas a verdade é que, à medida que o tempo passa e certos eventos nos surpreendem, percebemos que não é bem assim. Os fenómenos apelidados de cisnes negros (CN) são aqueles que cumulativamente reúnem as seguintes três características:

  • Raro, improvável, atípico;
  • Altamente impactante – consequências de enorme magnitude;
  • A jusante, após acontecerem, são “facilmente” explicáveis e até previsíveis (mas, na verdade, a montante, na generalidade dos casos, com muito poucas probabilidades de antecipação).

Cisnes negros são eventos caracterizados por uma relação inversamente proporcional entre a sua probabilidade (muito baixa ou remota) e o seu impacto (sempre tremendo). São raros, mas existem. E na liderança também os há. Para além disso, muitos eventos simplesmente não têm precedentes e, sendo raros, minoritários, são também extremos – e a importância dos extremos tem sido desprezada. Mas não é desprezível, antes pelo contrário (também na liderança). Já lá iremos…

O ser humano tende a subestimar a existência de cisnes negros – é humana e natural a tendência para desdenhar o que não é concreto. Uma das principais razões para tal acontecer é o facto de grande parte desses acontecimentos serem tão raros que nunca sequer aconteceram. E, mesmo relativamente àqueles que até já ocorreram, rapidamente o conhecimento humano se adapta de modo a conseguir “provar” que eram afinal previsíveis, que não eram tão aleatórios assim (falácias narrativas).

 

O problema da Indução
O termo Cisne Negro terá sido criado por David Hume, filósofo escocês que foi um dos pilares da tríade do empirismo britânico (séc. XVIII), e a sua história remontará a essa altura. David Hume foi uma das pessoas que abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenómenos mentais. Dos seus estudos relativos ao que veio a ser designado como “O problema da Indução”, terá resultado a terminologia do Cisne Negro – tirar conclusões gerais a partir de observações específicas (a metodologia indutivista supunha que se pode passar de uma série de enunciados singulares para um enunciado universal). Segundo esta linha de pensamento, a ciência começa com a observação, que fornece uma base segura sobre a qual o conhecimento científico pode ser construído, e este, por fim, é obtido a partir de proposições de observação por indução.

O problema “humeano” da indução é o de distinguir os bons dos maus hábitos indutivos, dada a ausência de qualquer distinção objectiva entre eles. Portanto, a indução não é mais que uma inferência incerta e, como tal, apenas pode levar a uma conclusão com alguma probabilidade de estar certa (apenas isso).

No seu “Tratado da Natureza Humana”, David Hume procurou examinar a base psicológica da natureza humana e concluiu que o comportamento humano é governado mais pela paixão do que pela razão, argumentando contra o racionalismo, a que o empirismo se opunha veementemente. Insiste que as conexões probabilísticas, tal como as causais, dependem de hábitos da mente, não tendo por base a nossa experiência do mundo.

David Hume sugeriu duas justificações para este princípio da Indução, que tem subjacente a crença generalizada de que o passado é um guia confiável para o futuro, mas acabou por rejeitar ambas:

  • A primeira dessas justificações assentava na “definição” de que, por razões de necessidade lógica, o futuro tem de ser semelhante ao passado. Porém, faz notar que podemos conceber um mundo errático e caótico onde o futuro nada tem a ver com o passado, ou então um mundo tal como até ao momento, mas no qual, repentinamente, tudo muda completamente.
  • A segunda justificação, mais despretensiosa, apela apenas à segurança passada da indução: sempre funcionou assim, por isso é provável que continue a funcionar. A razão da rejeição desta justificação é a sua limitação, por empregar um raciocínio circular – a indução requer-se a si mesma para ter efeito.

 

A resolução do problema da indução é proposta, dois séculos mais tarde, por Karl Popper, com a sua Teoria da Falseabilidade. Karl Popper, para quem a ciência não é indutiva, argumentou que não é possível confirmar a veracidade de uma teoria pela simples observação de que os resultados de uma previsão foram verificados. Essa teoria, quando muito, deve apenas usufruir do estatuto de teoria que não é (ou ainda não foi) contrariada pelos factos – será então sempre conjuntural e provisória, só se tornando científica se e quando for possível provar ser falsa. Esta possibilidade de uma teoria ser refutada constituía, para Karl Popper, a própria essência da natureza científica.

Este problema do cisne refuta por completo a teoria do enunciado universal, ou seja, milhões de cisnes brancos não provam que todos os cisnes são brancos, mas um cisne negro – apenas um – é suficiente para provar que nem todos são brancos. Resumindo, apesar de um enunciado existencial singular como “este cisne é branco” não poder ser usado para afirmar um enunciado universal, um enunciado existencial singular como “existe pelo menos um cisne negro” pode ser utilizado para mostrar que um determinado enunciado universal é falso (a tal falseabilidade – se não é falseável ou refutável não pode ser considerado científico, apenas generalização empírica).

 

Uma excepção que devia ser regra
Relativamente à liderança, aquilo que digo é que, felizmente, nem todos os líderes são cisnes brancos. Contudo, ainda é muito difícil encontrar os negros (os emocionais – na minha visão). Eles existem, e isso torna refutável o enunciado universal de que os líderes são todos iguais, e que nunca iremos conseguir encontrar nenhum diferente. Podemos ainda não ter experimentado ou conhecido um líder emocional, mas não significa que eles não existam, isso apenas significa que, até agora, esse facto não está ainda contrariado. É também um caso em que, partindo de um enunciado mais particular, não podemos universalizar, e em que a ausência de provas não prova a ausência. Felizmente!

A maioria das pessoas está cansada de líderes básicos, comuns, os “chefes”. Querem emoções, cuidado e empatia.

É por isto que a necessidade de líderes CN é hoje uma clara evidência. Eles são de facto diferentes – é estranho referirmo-nos a eles como diferentes, mas a verdade é que o são. Deveriam ser a regra, mas são a excepção. Todos sentimos a sua necessidade, poucos conseguem sê-lo. São aqueles que todos querem ter, mas poucos conseguem encontrar. São os que reúnem em si os 13 Cs da liderança que abordei no artigo publicado em Janeiro de 2021.

São cisnes negros não numa lógica de imprevisibilidade, como na teoria original, mas numa lógica de alguma improbabilidade, na medida em que há poucos, ou estão “escondidos”; nunca sabemos muito bem onde podemos encontrá-los… ou se os encontraremos.

Pensamos neles, ansiamos por eles, mas… onde estão? Porque são tão raros? De que têm medo? De mostrar emoções ou que podem ser vulneráveis? Não sentem que esta vulnerabilidade é importante para se ser equilibrado e feliz enquanto e como equipa, que por sermos bons e felizes estamos todos mais entusiasmados e somos mais produtivos e eficazes? Se os questionarmos sobre isto, eles próprios concordam que é assim… então por que razão é tão difícil passar à prática?

O papel principal do líder é criar riqueza emocional que se torne vantagem competitiva – são chamados a construir não apenas uma organização racional, mas uma organização emocional.

Os líderes CN desencriptam a arte de gerir pessoas! Extremamente humildes, têm empatia, distinguem-se pelas suas capacidades relacionais, pelo seu lado mais humano. Valorizam e estimulam. Importam-se e preocupam-se genuinamente – e isso é visível. Não têm problemas em mostrar as suas emoções. E é por aqui se que se faz o corte com o passado.

Têm o dom da comunicação. O dom. Não é só saber falar ou só saber ouvir. São ambos, em equilíbrio, e de forma ímpar. Isso vê-se pouco, embora a sua importância e capacidade de decisão sejam inegáveis.

Muitos líderes só falam. Outros vão mais longe e até ouvem, mas não escutam – ou escutam, mas não interiorizam, não querem saber.

A individualização da relação líder-liderado é cada vez mais determinante: as pessoas têm de se sentir úteis, válidas e valorizadas – e estes líderes valorizam as suas equipas, tratam cada pessoa de uma forma individualizada dentro do grupo (não é tanto tratar cada um de maneira diferente, é mais não tratar todos de forma igual). As equipas têm de ter a possibilidade de fazer o que querem, como querem e porque querem – e não de outra forma.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Julho (n.º 139) da Human Resources.

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

 

 

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