Pai, podemos cancelar a sexta-feira?

 

Por Pedro Ramos, presidente da APG – Associação Portuguesa dos Gestores de Pessoas e CEO da Facthum Portugal («e fortemente influenciado por uma filha de 16 anos que ainda não chegou ao mercado de trabalho, mas influencia muito! Mania desta geração que já cancelou o abecedário.. depois de “Z” vem o quê?»)

 

Era uma sexta-feira normal! Véspera de fim-de-semana, como todas a outras… Mas, e nem de propósito, dia de teste escolar  (porque seria?), e a minha filha adolescente, ao sair de casa para a escola, perguntou-me algo bem diferente e perturbador: “Pai, podemos cancelar a sexta-feira?”

Tão perturbador que a minha reação foi algo do tipo “Filha, vá lá… é só mais uma sexta-feira e amanhã já é fim-de semana”. “Nem pensar”, pensei eu. “Filha minha a perguntar se simplesmente poderia eliminar das suas obrigações semanais, um dia tão importante como a sexta-feira?” Nem mais… Que atrevimento! Que vontade de “se baldar”… que princípio de indisciplina das obrigações de estudante que terá (certamente muito momentaneamente) passado pela cabeça da minha jovem adolescente favorita, que ainda por cima é, assumidamente, o “orgulho do seu pai” em matéria de cumprimento das obrigações e de uma responsabilidade escolar quase irrepreensível. Mas lá pensei… “Calma, foi só hoje, daqui a nada já não se lembra…”

E agora, como saio desta? É que, na verdade, no “mundo real do trabalho”, estamos todos a discutir a possibilidade de, num contexto de semana de quatro dias, simplesmente “cancelar a sexta-feira”, como a minha filha pediu. Como é que lhe vou explicar que, afinal, o mundo mudou com a pandemia e agora (até o Governo da Republica Portuguesa !) acha que temos todos de fazer um esforço por cancelar a tal sexta-feira “maldita”!

É verdade, por imposição governamental, as empresas e os organismos públicos vão ter mesmo de, em 2023, fazer um teste de eliminar da vida das pessoas a sexta-feira “profissional”… seja lá o que isso for.

Estamos a falar da célebre “semana de quatro dias”, que parece que vai mesmo vingar.

Um momento de teste que parte de uma base bem desequilibrada. Se todos os gestores de Pessoas que, forçosamente, terão de testar se resulta a semana de 4 dias tiverem filhas adolescentes a “buzinarem” ao ouvido que a sexta-feira devia ser cancelada, afinal não é um teste é uma simulação de confirmação ou comprovação.

Ao que parece, esta ideia de reduzir a semana para quatro dias tem a ver com a necessidade de trabalhar a motivação dos trabalhadores; parece que o pessoal assumiu com a pandemia que os fins de semana teriam de começar mais cedo, independentemente de (nem que seja com uma máquina de calcular tradicional) se fazerem contas sobre o volume de horas de trabalho semanais que são necessárias para aumentar os níveis de produtividade das empresas que, de forma muito generalizada, andam “pelas ruas da amargura”.

Ah, chegou o momento de dizer que o “tema” não pode ser o numero de dias de trabalho que, mais ou menos obrigatoriamente, uma organização, empresa ou secção pública deve praticar, mas a “quantidade” de trabalho e os resultados que as pessoas, as equipas e o colectivo conseguem entregar.

Mas, claro, vamos todos “por decreto” testar a tal semana de quatro dias.

E eu (como é que vou sair desta?) vou mesmo ter de concordar com a minha filha adolescente que teremos de “cancelar a sexta-feira” um dia destes.

Espero que esta ideia da semana de quatro dias não seja mais uma “manobra de diversão” das empresas para “mascararem” o importante – as pessoas deixam de escolher e/ou não continuam a escolher as empresas onde trabalham por causa do número de dias de trabalho semanal, mas pela forma como se vêm alinhadas, enquadradas e reconhecidas pela própria empresa e pelos seus lideres.

Nesta Era de Employee Experience, a missão é proporcionar excelentes experiências aos colaboradores, independentemente do número de dias de trabalho ou de dias semanais “cancelados”, sendo que as empresas e os departamentos públicos serão tão mais bem sucedidos quanto mais souberem encantar, apaixonar e atrair permanentemente as suas pessoas.

Afinal, e pelos vistos, não vale a pena eu continuar a insistir com a minha super-inteligente filha adolescente que não faz sentido cancelar a sexta-feira, seja lá o que isso seja.

Até porque, se faz sentido trabalharmos com foco no aumento dos níveis de produtividade mais do que no horário de trabalho; se se tornou emergente a necessidade de reformular e reorganizar os momento de planeamento assumindo novas dimensões temporais, certamente fará sentido eu deixar de ser o “resistente à mudança” que insiste que os meses, as semanas, os dias e as horas de trabalho, ainda são as que faziam sentido no tempo em que a minha filha ainda não era adolescente.

Vamos lá testar, então, se a semana “com a sexta-feira cancelada” poderá ser mais produtiva do que a semana em que a sexta-feira era só mais um dia da semana!

 

 

 

 

 

 

 

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