Rádio alcatifa. Ou o imperativo da não proliferação de uma comunicação tóxica.
Por Joana Russinho, People Enthusiast, head of Human Resources e autora de “Eu e os Meus rh”
Numa era em que tanto se fala no desafio a uma comunicação efectiva, que concilie o virtual com o presencial, que se adapte aos gaps geracionais e às diferenças culturais, à necessária inclusão e diversidade, aos fusos horários e aos mais diversos canais, assistimos a uma proliferação da comunicação a que chamo de tóxica, que circula por vias informais, muitas vezes com pontos acrescentados, fustigando a cultura, e as pessoas, em momentos indevidos.
Tenho-me lembrado de um CEO com quem trabalhei no passado, cujas práticas de liderança baseadas numa formação militar, me continuam a inspirar no meu trabalho: Uma delas a estratégia global de comunicação.
Costumava dizer que numa empresa não há nada pior do que a famosa rádio alcatifa, e era rígido nos esforços encetados para a contrariar. Houve um antes e um pós chegada deste CEO à empresa, e um dos marcos foi sem duvida a profissionalização da comunicação interna.
“Tudo o que não seja comunicado nos fóruns oficiais, não existe”, costumava dizer. E era verdade.
Imaginemos uma comunicação que tinha de fazer à organização, sobre o lançamento de um novo produto:
No dia X o CEO reunia com a Assembleia Geral (AG) e apresentava o plano de comunicação previamente estruturado com a Direcção de Comunicação e a de Recursos Humanos. Este plano detalhava todas as atividades que deveriam ser levadas a cabo pelos diferentes stakeholders, com o objectivo de chegar a todas as pessoas numa lógica top-down, com indicação do dia e da hora da comunicação, e do detalhe a “entregar” a cada target.
Por norma, as primeiras reuniões eram lideradas pelos membros da AG com as respectivas direcções, à primeira hora da manhã do dia escolhido. À mesma hora do mesmo dia toda a direcção tomava conhecimento de que a comunicação se iniciaria e de como seria o plano.
Ainda no mesmo dia, a uma outra hora, mas também sincronizada, cada director reunia com os seus reportes directos para transmitir a mensagem, solicitando que fizessem o mesmo com a restante equipa.
Assim, num mesmo dia, a outra hora, as equipas constituídas por todos os elementos, escutavam o que tinham de saber sobre o tema em questão.
Por mim, a mensagem principal era selada com um e-mail dirigido a toda a organização, assinado pelo próprio.
Note-se que:
O planeamento de qualquer comunicação é tão relevante quanto o novo produto (exemplificativo) que se pretende lançar, assim como a coerência da narrativa. O objectivo do CEO era o de que se cristalizasse a mensagem a transmitir numa só voz, para isso garantir que os pontos de venda eram compreendidos e aceites por todos era o primeiro objetivo. Sem esta união, há o risco de se ouvirem diferentes vozes e versões, o que não se quer que aconteça:
- Consoante a pertinência da comunicação, e a urgência da mesma, os diferentes níveis de disseminação poderiam ocorrer em dias diferentes, mas nunca haveria um espaço superior a 2 dias de intervalo entre o decidido e o comunicado a toda a organização – o tempo urge quando se pretende este tipo de alinhamento;
- As localizações das pessoas nunca eram desculpa para adiar ou cancelar uma comunicação. Há sempre ums solução, basta sermos criativos;
- Nunca ninguém era excluído de receber a comunicação, mesmo que não fosse a sua área. Funções, níveis de carreira, todos recebiam a informação, segmentada, claro está, mas recebiam. Só assim era possível que qualquer pessoa compreendesse o papel específico da sua função para o sucesso da organização.
Planeamos tantos projectos, mas investimos pouco em planos de comunicação que os acompanhem. Também somos engolidos pelo vicio do tempo record e nem sempre paramos para partilhar o que deve ser partilhado oficialmente.
Perguntei numa entrevista de recrutamento a alguém como geria a radio alcatifa. A resposta foi: “reconhecendo que é péssimo, não contribuo, mas se a empresa não me dá informação confesso que oiço para garantir que sei o que é comentado. O mau é que depois fico na dúvida….”
Pois é…E enquanto houver dúvidas, é porque, provavelmente não foi comunicado – digo eu.