
Riscos psicossociais no trabalho em Portugal: os números, as leis e o que falta fazer
Por razões tecnológicas, de migração e outras, nas últimas décadas da globalização, o mundo do trabalho tem sido reformatado, integrando formas atípicas. Existe agora múltiplas modalidades que tornam as relações de trabalho menos estáveis, seguras e previsíveis. Com as trajectórias de trabalho menos lineares, registam-se novas doenças profissionais e cada vez mais acidentes de trabalho. Estima-se 2,78 milhões de mortes atribuídas directamente ao trabalho por ano, o que representa pelo menos 5% das mortes globais.
Por Gonçalo Sampaio e Melo, psicólogo
Programa Nacional de Saúde Ocupacional
Considerando como direito fundamental um ambiente de trabalho seguro, e saudável, urge melhorar a intervenção em Saúde Ocupacional, assistida por medidas preventivas.
Neste contexto, o ‘Programa Nacional de Saúde Ocupacional’ (PNSOC) da Direcção-Geral de Saúde acredita, antes de mais, que a melhoria contínua em saúde e segurança é crucial para a competividade das empresas, pelo que se justifica o empenho e reforço deste programa.
A saúde ocupacional tem por primeira finalidade não só minimizar a exposição a riscos profissionais mas também assegurar a produtividade dos trabalhadores a partir do seu bem-estar físico, mental e social.
O PNSOC, na sua extensão 2018/2020 (resolução do Concelho de Ministros nº77/2015, de 18 de Setembro), enfatiza os seus objectivos em consonância com referências internacionais, (i.e., Decent Work – Key to sustainable development) da Organização Internacional do Trabalho (OIT): (1) Saúde na qualidade e pela prevenção de riscos; (2) Trabalho Digno e crescimento económico e por último (3), Consumo e Produção sustentáveis.
Riscos psicossociais e sua prevenção
As transformações socioeconómicas, assim como outras mudanças ocorridas no mundo do trabalho, como a instabilidade laboral, estão directamente associadas ao aumento dos riscos psicossociais e com possante impacto na saúde. Estes riscos, cada vez mais incontroláveis, têm-se vindo a traduzir num conjunto de consequências nefastas. E são uma ameaça às empresas através do aumento da rotatividade ou do absentismo.
Os espaços de trabalho são locais prioritários para o desenvolvimento de acções de prevenção de riscos psicossociais e para intervir em diversas áreas de saúde (e.g., vacinação, doenças respiratórias e oncológicas saúde mental etc).
Porém é indispensável que as empresas identifiquem os riscos de natureza física, química, biológica e psicossociais existentes no local de trabalho, visando a adopção de medidas de prevenção de aspectos da organização do trabalho e nos contextos sociais que pode ter efeitos negativos.
Enumera-se o stress, a adição ao trabalho, a fadiga/carga, o assédio ou a síndrome de Burnout como exemplos desses riscos, que se traduzem por dores musculares, articulares, problemas cardiovasculares ou com doenças psicossomáticas entre outros.
A OIT estima que o stress laboral está na origem da diminuição de 3 a 4% do PIB nos países industrializados.
Apesar da fraca literacia em segurança e saúde ocupacional por parte da esmagadora maioria das entidades públicas e privadas, é decisivo que empregadores colaborem na sua contínua melhoria baseados em princípios estratégicos que visam reforçar a capacidade organizativa e podem configurar-se nos 3’P: Prevenção, Protecção e Promoção.
Enquadramento Legal e Normativo
Para conseguir produzir impacto, tal como a comissão Europeia defende, é necessário explorar sinergias e assegurar a coerência de políticas.
Agilizar a gestão de conhecimento em saúde ocupacional é um dos factores essenciais e que mais precisa de promoção. Requer a consolidação de articulação interinstitucional quanto a procedimentos de comunicação e na otimização para partilha de dados estatísticos e informação.
Importa divulgar junto das empresas que o investimento em segurança e saúde no trabalho é um ‘bom negócio’ pois assim evita os custos directos, não só como a remuneração de trabalho não realizado mas também indemnizações e agravamento do custo de seguro.
Na Bélgica, os riscos psicossociais estão especificados na legislação que consequentemente determina estratégia de intervenção.
Pelo Arreté Royal du 17 mai 2007 , o empregador com o apoio de um consultor especializado tem a obrigação de fazer uma análise de riscos psicossociais para tomar medidas preventivas, dirigidas à organização no contexto de grupo e individual. Naturalmente com o propósito de eliminar as situações perigosas deve existir um procedimento interno para orientar em caso de ocorrência destes riscos.
Existe na Bélgica a figura dos ‘Consultores de Prevenção’ a quem cabe a responsabilidade de avaliar a interação colaborador-trabalho, assegurar a vigilância da sua saúde e supervisionar a organização do plano de emergência.
Identicamente, em França, e de acordo com o Code du Travail, do empregador é esperado medidas que incluem ações de prevenção dos riscos, divulgação de informação e a criação de uma organização com recursos apropriados.
Dois dos quatros eixos do Plan Santé au Travail estão relacionados com os riscos psicossociais: (1) desenvolver ações de prevenção e (2); melhorar a capacidade de resposta face ao desenvolvimento de riscos.
A identificação do stress laboral passa pela análise de factores como a organização e os seus processos, as condições de trabalho, a comunicação e os outros fatores subjetivos.
A legislação portuguesa, define e reconhece os riscos psicossociais através do Decreto de Lei nº98/2009 e nº102/2009 e do supramencionado PNSOC, mas não operacionaliza qualquer intervenção, ou prevenção destes riscos.
O PNSOC lembra que um ambiente de trabalho sem acidentes é fonte de desenvolvimento que reforça as competências e as capacidades individuais. Contribui para o desenvolvimento do potencial da empresa pelo que uma das primeiras propostas deve ser elaborar informação técnica.
A Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho reflete uma preocupação emergente com o crescente stress laboral e define como primeiro objectivo consolidar uma cultura de prevenção com prioridade para evitar acidentes.
Estima que os custos indirectos com acidentes sejam oito vezes superiores aos custos directos, assim como a redução ou paragem de produção, que se reflecte pelas interrupções frequentes devido a acidente e reduz claramente a produtividade. Custos com procedimentos administrativos e jurídicos (incluindo relatórios, participações e comunicações) e sobretudo se o absentismo for de um ‘trabalhador-chave’ os imensos custos de formação com o trabalhador de substituição.
Mas, em termos gerais, as medidas de combate, sejam ela quais forem, são ainda incipientes e pouco operacionalizadas.
Conclusões
A produtividade da empresa depende do rendimento dos recursos (incluindo humanos e materiais) e dos processos de produção. Pelo que o seu aumento de produtividade se traduz igualmente pela redução dos custos dos recursos. Ter trabalhadores empenhados, poucas vezes doentes, faz toda a diferença para expandir para novos mercados, para conservar clientes.
Um adequado serviço de segurança e saúde no trabalho promove resultados positivos na saúde e uma influência positiva entre colegas. Consequentemente, na motivação dos trabalhadores.
Ter o melhor produto/serviço nem sempre é suficiente para vingar no mercado, é imprescindível associar notoriedade à imagem e à marca da empresa.
O enquadramento da Saúde no Trabalho e suas relações com a sustentabilidade, a responsabilidade social favorece essa boa reputação e possibilita a diferenciação da empresa no mercado. Ajuda a atrair e reter talento! Assegura a confiança de clientes e de investidores.