Ser líder de si mesmo: O medo

Os líderes não são imunes ao medo. Todas as pessoas sentem medo. E o medo não é o problema, mas sim o modo como lidamos com ele. Ele estará presente, só não podemos deixar que nos ancore na paralisia ou na indecisão.

 

Por Fernanda Moura, docente em Coaching Executivo e Liderança de Alta Performance no ISG

 

Todos temos medo de alguma coisa. O medo parece ser epidémico e atinge todos. Medo de adoecer, medo de ficar sem dinheiro, medo de acidentes, medo de tomar decisões, medo de mudar de carreira profissional, medo de conflitos, medo de ser rejeitado, medo de errar, medo do ridículo…

Muitos acontecimentos dolorosos na vida obrigam-nos a enfrentar os nossos medos. Acontecimentos sociais como guerras, crises económicas, pandemias, tornam inevitável a acção no sentido de preservar a vida e uma nova estabilidade.

Nos últimos dois anos, a pandemia de COVID-19, obrigou-nos a sair da nossa zona de conforto e trouxe à superfície a nossa vulnerabilidade, medos que desconhecíamos, e exigiram dos líderes uma atitude excepcional de tomada de decisão sob a pressão do medo, da incerteza, da fragilidade. Tudo passou a ser posto em causa, tudo mudou de um momento para o outro. É difícil planear porque em cada momento tudo muda.

Os líderes não são imunes ao medo e têm a responsabilidade de passar confiança à equipa, fazê-los acreditar que é possível vencer a adversidade e actuar de forma diferente, confiando que os resultados positivos aparecerão. São obrigados a enfrentar os seus medos, lidar com os medos da sua equipa e incentivá-los para à acção, motivando-os e dando-lhes segurança de que, no fim, tudo irá correr bem.

Todas as pessoas sentem medo quando estão perante novas situações ou têm de fazer alguma coisa nova e/ou para a qual não se sentem preparados, mas muitos, apesar do medo, fazem-no. Então devemos concluir que o medo não é o problema, mas sim o modo como lidamos com ele.

Não se pode escapar do medo, como não se pode de outra emoção qualquer, mas podemos transformá-lo num companheiro que está presente na acção difícil que se irá desenvolver, mas que não o ancora na paralisia ou na indecisão. Num nível mais profundo – e olhando a realidade sob outra perspectiva – pode agir, mesmo sentindo medo e incerteza, porque se forçará a olhar a realidade numa outra perspectiva: saberei como lidar com o que vem a seguir, seja o que for.

Três reflexões para ajudar a lidar com o medo:

1. O medo nunca irá desaparecer se não se envolver na situação que o obriga a enfrentá-lo.

Não diga a si mesmo «quando eu não tiver mais medo de, então fá-lo-ei». Ou «quando melhorar a minha auto-estima, então fá-lo-ei» ou ainda «quando toda esta pandemia passar, terei oportunidade de fazer diferente».

Não espere a melhor oportunidade e detecte os pensamentos automáticos e as crenças irracionais que lhe surgem, questionando-as e substituindo-as por pensamentos mais adaptativos. Construa/ desenvolva a sua autoconfiança dizendo a si mesmo: «eu vou fazê-lo, vou sentir medo, mas isso é normal, faz parte do meu processo de aprendizagem e não me irá paralisar».

 

2. A única forma de me livrar do medo é fazer alguma coisa, é fazer o que me provoca mais medo.

O medo de situações, em particular, dissolve-se quando, finalmente, eu as enfrento. Quando se evita uma determina situação, o mal-estar diminui, mas essa sensação reforça o comportamento de evitamento e o medo reforça-se, mantém-se e tende a agravar, transmitindo um sentimento de desilusão, de incapacidade.

Actuar surge antes de o medo se ir embora. Faça acontecer, pois o medo da situação tende a diminuir ou mesmo desaparecer, e irá caminhar no sentido de construir e reforçar a autoconfiança. Quando enfrenta um medo e o vence, o sentimento de auto-satisfação é tão grande que o irá preparar para um novo desafio. Enfrente de novo a situação e começará a reduzir o medo (dessensibilização). Pratique, insista, pratique, insista!

A coragem não é ausência do medo, mas a persistência apesar do medo. O que deve fazer é atrever-se, experimentar e concluir que, afinal, exagerou quanto ao “perigo da situação”. Quanto mais se atrever e mais “riscos” assumir, mais vai alargando as suas áreas de intervenção e de coragem, aumentando a sua zona de conforto e possibilitando-se ir mais longe.

 

Exercício 2
a) Faça uma lista de acções “riscos” que gostaria de desenvolver, mas que tem noção que o irão confrontar com medos;
b) Hierarquize-as pela ordem de dificuldade, das mais fáceis para as mais difíceis;
c) Liste em cada acção o que são os pensamentos negativos automáticos que surgem e que podem impedir a sua concretização e substitua-os por pensamentos positivos e incentivadores;
d) Estabeleça um calendário de concretização;
e) Defina alguns recursos que sejam necessários: apoio de alguém, equipamento, informações prévias, etc.;
f) Defina o resultado esperado, mesmo que ainda não seja o final, mas que constitua uma conquista (por exemplo, quero aprender a andar de mota, mas começo por praticar com uma scooter, num espaço sem trânsito);
g) Celebre a concretização de cada um deles sozinho ou com alguém que o incentive a avançar.

 

3. Expor-se ao medo é menos traumatizante do que viver com a sensação de que não é capaz.

Aceite que não controla tudo e que se deve focar no que consegue controlar. Esta estratégia é um dos impulsionadores para a acção. Viver com a sensação de impotência é mais doloroso do que tentar. O sucesso não é garantido, porque não controla todas as variáveis, mas há variáveis que consegue controlar. É nessas que deve dar o meu melhor. Foque-se no que deve pode mudar, porque é mais incentivador e proveitoso do que focar-se na expectativa de um resultado.

 

Exercício 3
Identifique na acção pretendida o que consegue controlar e foque o seu esforço nessas variáveis. Exemplos do que consegue controlar:

  • o esforço que coloco no que faço;
  • as minhas palavras;
  • as minhas acções;
  • como trato os outros;
  • cumprimento ou não das regras;
  • como lido com os meus sentimentos;
  • as minhas decisões.

 

– Identifique na acção pretendida o que não consegue controlar e não se foque nessas variáveis. Exemplos do que não consegue controlar:

  • o que os outros fazem;
  • o passado;
  • as escolhas dos outros;
  • o que os outros dizem;
  • como os outros se sentem;
  • o tempo.

Ter medo não é invulgar, pelo contrário, liderar sem medo significa que o que estou a fazer já me é familiar e não me desperta novas competências. Reconhecê-lo é ter a coragem de abrir uma “caixa de surpresas” relativamente ao que me espera, ao resultado, ao sucesso ou insucesso, mas ter a garantia que, quando o fizer, sairei com a sensação de me ter desafiado e de ter conseguido vencer o medo e a inércia que ele me estava a provocar.

Desafie-se e desafie a sua equipa! Ter medo é uma emoção normal, mas somos nós que decidimos o quanto ela nos impede de fazer. Faça, mesmo com medo.

 

Este artigo foi publicado na edição de Novembro (nº. 143)  da Human Resources, nas bancas.

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