
Teletrabalho novamente obrigatório. Como responder às questões mais difíceis?
O confinamento fez com que, durante semanas e meses, milhares de pessoas tivessem que trabalhar a partir de casa pela primeira vez. E escrevo “trabalhar a partir de casa”, porque dizer que “teletrabalharam” seria um erro. O teletrabalho vai muito além: implica facilitar as condições para que as pessoas trabalhem em qualquer momento e lugar e, mais do que isso, desenvolvam o trabalho nas mesmas condições do que no escritório.
Por Itziar del Estal, HR Country Manager Portugal da Schneider Electric
Mas há algo inegável – esta adaptação face à emergência derrubou uma das grandes barreiras mentais que travavam a sua adopção: o medo de que, sem controlo e presença, os colaboradores não trabalhassem. Por outro lado, também destacou algo igualmente importante: que está nas nossas mãos, enquanto empresas, facilitar a vida das pessoas para que possam conciliar melhor as suas necessidades individuais.
À medida que cada vez mais empresas adotam novos modelos de trabalho híbridos, são muitas as questões com que os profissionais de Recursos Humanos se debatem:
- Como posso abraçar este novo modelo e fazê-lo bem, para a empresa, mas sobretudo para as pessoas?
O primeiro passo, incontornável e fundamental, passa por que as empresas compreendam que o sucesso do teletrabalho está dependente de as empresas levarem a cabo uma verdadeira transformação cultural: passar da cultura do controlo à cultura da confiança. Mais do que possível, este é o caminho a seguir, mas requer tempo, constância e resiliência. Por outro lado, é preciso ouvir os colaboradores e perceber o que eles realmente querem, de forma a chegar a um acordo que seja benéfico e motivador para ambas as partes.
- Como aplicar na prática um modelo de teletrabalho?
Há vários modelos possíveis, por exemplo:
- Teletrabalho fixo: há um acordo mútuo com o colaborador no qual se fixa um máximo de dias por semana para teletrabalhar (ou, por exemplo, o teletrabalho apenas durante a manhã ou tarde, etc.). Para facilitar, os dias poderão ser fixos, com um compromisso de flexibilidade entre as partes, por forma a se adaptarem tanto às necessidades pessoais, como às da empresa.
- Teletrabalho pontual: quando necessário, o colaborador pode simplesmente acordar com o seu gestor o teletrabalho durante uns dias ou semanas.
Independentemente do modelo aplicado, é importante que tal fique assente de forma mais ou menos formal entre a empresa e o colaborador, para salvaguardar possíveis consequências.
- Um acordo de teletrabalho é reversível?
O ideal é um acordo mútuo em que tanto o colaborador como a empresa possam solicitar em qualquer momento o término da situação. Isto pode acontecer, por exemplo, caso não sejam cumpridas as condições exigidas, ou se o colaborador simplesmente deixar de desejar realizar trabalho remoto.
- O que fazer quando nem todos os colaboradores podem teletrabalhar?
Ser claro e transparente em todos os momentos. Da mesma forma que há funções que têm turnos e que trabalham ao fim de semana, há outras que simplesmente não podem trabalhar remotamente, pelo que é preciso explicar quais as equipas que o podem fazer. Também é certo que, com o progresso da tecnologia, há cada vez mais perfis profissionais que podem trabalhar em remoto, mas para tal é necessário que as empresas se equipem com as ferramentas e a formação necessárias. Um dos grandes desafios atuais é mesmo conseguir levar o trabalho remoto a cada vez mais funções.
- E se uma pessoa cujo desempenho é fraco solicitar o teletrabalho?
A chave é novamente a transparência: para que os colaboradores possam integrar-se na política de teletrabalho, é necessário que tenham cumprido os objetivos a um nível satisfatório. Se não for o caso, em conjunto com o colaborador, o seu gestor e responsável de RH devem elaborar um plano de trabalho e estabelecer metas, para que possa vir a ser “candidato ao teletrabalho”. Por outro lado, é também importante que a pessoa já faça parte da empresa há algum tempo, o suficiente para a conhecer bem e estabelecer vínculos com os colegas, de forma a poder realizar trabalho à distância de forma mais eficiente.
- Se as pessoas não veem os gestores, deixam de os respeitar?
Este é um dos maiores medos das empresas, e daqui deriva a importância da mudança cultural já referida. Esta sitação pode ser um risco, especialmente nos primeiros tempos, e por isso é tão importante o acompanhamento e envolvimento dos gestores com as suas equipas em todos os momentos, transmitindo-lhes uma sensação de confiança e segurança (e não de controlo).
Tirar partido da flexibilidade para melhorar as empresas
A chave do sucesso está em encontrar o nível de flexibilidade necessário para que todos colham os benefícios dos novos modelos de trabalho. É preciso referir dois pontos que as empresas não podem perder de vista:
- O compromisso e sentido de pertença. É muito difícil manter o sentimento de pertença a uma empresa se esta funciona apenas num modelo remoto. O risco de desconexão em relação aos valores, espírito, cultura e às próprias pessoas é muito grande e não pode ser ignorado.
- A inteligência coletiva. A interação pessoal favorece o encontrar de soluções e a colaboração entre equipas distintas. Isto é fulcral no momento de grandes desafios que vivemos atualmente.
Como dizia, um dos aspetos positivos do confinamento foi o derrubar da barreira que travava muitas empresas na hora de dar este passo, pois vimos que se alguém está comprometido, realiza o seu trabalho e atinge os objetivos independentemente de onde está. Também aprendemos que não se pode teletrabalhar de qualquer forma; as condições têm de ser ótimas e o passo para os novos modelos de trabalho tem de ser dado de forma estruturada, acompanhado de uma mudança cultural.
Para as empresas que só agora começam esta jornada, o conselho é implementar um programa-piloto inclusivo para com todas as suas realidades, e que os gestores se concedam o tempo e espaço necessários para aprender e encontrar a solução que funciona. Cada empresa é distinta e não existe uma fórmula mágica.
Como em todas as grandes transformações – e porque não falamos apenas de trabalho, mas também de uma forma totalmente diferente de gestão –, esta levará o seu tempo e exigirá pessoas que sejam agentes de mudança e acompanhem as outras neste caminho. Há apenas 10 anos, ninguém imaginava que hoje estaríamos aqui – no entanto, a melhor recompensa será o reconhecimento dos colaboradores. Porque nunca podemos esquecer: a flexibilidade no trabalho é a melhor forma de pagar um “salário emocional”.