Tempo de crise ou crise do tempo?
Opinião de Jorge Marques
Administrador do Grupo CRH e Conselheiro da Revista HR Portugal
Jorge Luís Borges dizia “ o tempo é como um rio/ e eu sou o rio…”, o que significa que ao contrário do que pensamos, nós somos o tempo e ele não é feito de horas, isso não passa de uma convenção.
Penso que um dos nossos piores inimigos nos dias que correm, aquilo que gerimos com mais dificuldade, tem exactamente a ver com este activo chamado tempo. Ninguém tem dúvidas de que quando nos dedicamos a uma actividade onde encontramos sentido, de que gostamos e que tem a ver connosco, o tempo corre muito depressa e chegamos ao fim sem sinais de cansaço. O inverso também é verdadeiro, quando nos confrontamos com um trabalho sem sentido, que nada tem a ver com o que somos e queremos, então o tempo arrasta-se e chegamos ao fim fatigados física e psicologicamente. É isso, nós somos o tempo e ou o damos com prazer ou sem prazer. É aqui que marcamos a nossa primeira grande diferença nos desempenhos enquanto pessoas ou como profissionais. Tudo isto é ainda mais verdadeiro no chamado mercado do conhecimento, onde somos sobretudo vendedores das nossas capacidades, da nossa inteligência e do nosso tempo.
Quando Agostinho da Silva dizia que face a um mundo em crise, ele era demasiado pequenino para a contrariar ou resolver, terá tomado uma importante decisão! Resolveu que quem estava em crise era ele mesmo e não o mundo!
Em boa verdade, desde que comecei a trabalhar em 1973, tempo da primeira crise do petróleo, nunca mais deixei de ouvir falar em crise, daí que entenda que afinal estamos perante realidades novas que foram surgindo, realidades com as quais estamos com dificuldade de nos relacionarmos. Se somos nós que estamos com dificuldades nessa relação, o Agostinho da Silva tinha razão, somos nós que estamos em crise e com incapacidades várias de lidar com realidades novas e diferentes.
As crises, tanto quanto eu as percebo, são respostas às graves violações que fazemos à natureza das coisas, tal como acontece com os terramotos, tsunamis e outras manifestações físicas.
A nossas crises, para as quais e ao contrário das outras, nem sequer temos imaginação para lhes dar nome de gente, são também isso mesmo, graves violações á natureza das relações e da inteligência humanas.
Repare-se que perante uma nova realidade, onde se alteram as causas, os dados, os problemas, onde se esgotam recursos e soluções, qual é a nossa resposta?
Regressamos com as mesmas teorias, com as mesmas práticas, com as mesmas pessoas responsáveis pelas crises, queremos que tudo permaneça igual, queremos amarrar o futuro no presente ou até no passado. E entretanto nada permanece igual, a não ser a cabeça daqueles que nada querem perder, que nada querem mudar e que ao atrasarem o aparecimento de novas realidades, lançam-nos a todos numa vida sem sentido.
A mais grave violação à natureza humana, tem a ver com uma questão muito simples e de fácil observação. O homem tem a cabeça voltada para a frente, anda para a frente, o homem tem na sua natureza a visão permanente do futuro, da novidade, das mudanças. Penso eu, que se assim não fosse, se a natureza humana fosse andar sempre a olhar para o passado, para trás, a nossa cabeça e os nossos pés estariam voltados ao contrário.
É por tudo isto também, que quando hoje falamos em liderança e apelamos a um conjunto de competências obrigatórias no domínio da resiliência, acabamos por cair em três questões essenciais. A primeira tem a ver com a capacidade de enfrentar a realidade tal qual ela é; a segunda tem a ver com a capacidade de encontrar significado e novos significados para o que tem que se fazer e a terceira tem a ver com a capacidade de improvisar permanentemente, sobretudo quando não há meios.
Foi assim que o homem saiu da idade da pedra e deu todos os saltos civilizacionais, é assim que tem que ser mais uma vez e essa atitude não se compadece com aqueles que estão sempre a olhar para trás. A nossa relação harmoniosa é com o tempo futuro, a nossa relação com o passado e o presente tem que ser sempre de tensão, para que alguma coisa se mude.
Mal dos satisfeitos com aquilo que já temos, esses vão perder-se no passado e deles não vai rezar a história!