Um trabalhador pode ser despedido pelo conteúdo de mensagens privadas? Saiba o que diz a lei

Um trabalhador pode ser despedido pelo conteúdo de mensagens privadas? E se tiver utilizado meios da empresa ou o e-mail profissional? Conheça as regras.

 

Sem lei específica para a utilização do mundo virtual e de meios eletrónicos em ambiente profissional, os trabalhadores devem estar atentos e saber com o que podem contar. Já as empresas devem definir, de forma precisa, as regras de utilização dos meios informáticos que colocam ao dispor dos seus funcionários.

Em novembro de 2017, um tribunal espanhol aceitou o despedimento de um trabalhador por considerar que ele não estava a cumprir as suas obrigações profissionais, uma vez que estava em casa em vez de estar nos locais indicados pela empresa. Em tribunal, o empregador reconheceu que só descobriu este facto porque acedeu aos dados do GPS do telemóvel utilizado pelo funcionário. Por estar em casa, o trabalhador teria recebido indevidamente o subsídio de alimentação e, além disso, não estaria a cumprir as suas obrigações profissionais.

O trabalhador contestou a forma como a empresa obteve as provas, mas o tribunal não lhe deu razão e acabou por ser despedido.

Numa outra situação, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou que uma empresa romena não violou o direito de privacidade de um funcionário ao aceder a um sistema de conversação online que este usou de forma pessoal.

O caso sobre o qual recai a decisão remonta a 2007, quando um engenheiro romeno foi despedido por ter usado de forma privada uma conta do Yahoo Messenger criada para ser utilizada apenas como ferramenta de trabalho. A empresa alegava que ele tinha desrespeitado o regulamento interno, que proibia a utilização de computadores, fotocopiadoras, telefones e faxes para fins pessoais.

O funcionário recorreu para os tribunais romenos e, por ter perdido, avançou com uma queixa contra o Estado romeno no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Porém, este também não aceitou a pretensão do cidadão romeno, alegando que a empresa atuou dentro do seu poder disciplinar.

Estes dois exemplos levam-nos a ponderar sobre o que se considera, afinal, privacidade das comunicações pessoais com equipamentos e acessos da empresa. Seriam possíveis decisões semelhantes em Portugal?

 

O que diz a lei
Os tempos estão a evoluir, mas decisões destas parecem improváveis em Portugal. A legislação laboral portuguesa defende os chamados ‘direitos de personalidade dos trabalhadores’, proibindo práticas intrusivas por parte dos empregadores. A lei diz, por exemplo, que o trabalhador goza do “direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de caráter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio eletrónico”.

O empregador pode estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação (sobretudo do correio eletrónico), mas está proibido de aceder ao conteúdo das mensagens de teor pessoal que o trabalhador receba ou envie. E isso será assim mesmo que os meios utilizados sejam propriedade da entidade patronal e ainda que, por exemplo, o trabalhador use o endereço eletrónico da empresa. Este é um princípio que só poderá ser quebrado, excecionalmente, perante interesses mais importantes, como no caso de suspeita de prática de crimes em que, no âmbito de uma ação penal, haja um mandado que permita o acesso.

Se o empregador não impedir ou limitar o acesso à internet, o trabalhador pode usá-la, desde que não viole os seus deveres profissionais e o faça de uma forma adequada e sem excessos que comprometam as suas funções. Havendo algum tipo de controlo ou monitorização, os funcionários devem ser informados antecipadamente, para que saibam quais as consequências da sua utilização indevida. E o controlo tem de respeitar as regras de proteção dos dados pessoais, pelo que será conveniente que o empregador consulte previamente a Comissão Nacional de Proteção de Dados, indicando-lhe o que pretende fazer.

 

Informe-se sobre as regras da sua empresa
O empregador pode estabelecer regras na utilização dos meios de comunicação da empresa, sobretudo quanto ao correio eletrónico. Pode, por exemplo, definir que o e-mail que atribui aos trabalhadores é só para uso profissional ou que o acesso à internet fica limitado a determinados sites.

No entanto, para averiguar se o trabalhador cumpre as regras, a consulta dos contactos realizados pelo trabalhador deve ser feita na sua presença ou na presença de quem o represente. E deve cingir-se a verificar o endereço do destinatário ou remetente da mensagem, o assunto e a data e hora de envio.

Não se pode verificar o que consta dos e-mails enviados e recebidos, a menos que haja um mandado judicial para tal. Nem o facto de as mensagens eletrónicas estarem guardadas no servidor central da empresa lhes retira a sua natureza pessoal e confidencial. Também não é admissível, por exemplo, que o empregador tenha acesso ao teor das chamadas telefónicas do trabalhador.

Como o tema não é consensual, o ideal é conhecer bem as regras do empregador quanto à utilização da internet e, em particular, das redes sociais e dos serviços de correio eletrónico. Sempre que o trabalhador entender que a empresa violou o seu espaço de privacidade, deverá apresentar a questão à Comissão Nacional de Protecção de Dados ou à Autoridade para as Condições do Trabalho.

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