Catarina Horta (Novo Banco): Águas calmas não fazem bons marinheiros

Catarina Horta, directora de Capital Humano do Novo Banco, acredita que «o ritmo dos acontecimentos vai ser rápido» e que «temos de nos habituar a viver de forma intensa, inquieta e a saber decidir com algum risco, sem ter toda a informação». Leia o seu testemunho.

 

«Os tempos que vivemos têm-me recordado imenso o provérbio africano “Águas calmas não fazem bons marinheiros”. Penso muitas vezes nas carreiras de pessoas que observo, muitas das quais tenho visto reformarem-se e que, num passado não demasiado longínquo, tinham longos períodos que se caracterizavam por “mais do mesmo”. A espuma dos dias sucedia-se e os planos anuais não eram mais do que iteracções dos planos anteriores. Não acredito que venha a acontecer a nenhum de nós de Recursos Humanos no activo. Ou pelo menos, não mais.

As águas não vão voltar a estar calmas. O ritmo dos acontecimentos vai ser rápido e temos de nos habituar a viver de forma intensa, inquieta e a saber decidir com algum risco e sem ter toda a informação.

Já há alguns anos que defendia que a competência de que mais precisávamos era a gestão da ambiguidade. Nem sempre me senti acompanhada nesta defesa, mas considero que o tempo acabou por me dar razão, já que as pessoas que se sentem mais confortáveis nesta altura são as que aceitam que é possível decidir sem todos os dados e que nunca podemos saber tudo. Mais, é preferível escolher um caminho do que esperar pelo melhor caminho.

Não foi a pandemia que trouxe este tema – foi a profusão de fontes e meios de informação. O meu pai lia os jornais diários e semanais, ouvia o noticiário da telefonia e via o telejornal, e isso dava- -lhe a ideia de que conhecia o mundo. Eu leio uns jornais online, valido as fontes e faço check de polígrafo e fake news, revisito o que pingou para o Twitter e tento perceber o que é os opinion makers que valorizo perceberam da informação sobre o tema em questão. E fico com a ideia de que não conheço um terço do que aconteceu. Mais complexo, não? O tempo que vivemos é mais ambíguo e, acho, temos apenas de aceitar que assim é.

Em que é que isso influencia o tema das pessoas? Na minha opinião, bastante em muitas coisas, mas também pouco noutras. Explico. Em primeiro lugar, acho que o foco da Gestão de Pessoas será sempre o People manager. Sempre! Não é aqui que estão as mudanças. O mundo pode mudar imenso, mas nós somos sapiens, com séculos e milénios de evolução humana, e a nossa taxa de evolução é lenta. Continuamos a ter mecanismos de reacção que nos foram úteis nas savanas e que nem sempre nos são úteis hoje em dia. O ritmo da evolução é lento. Neste caso, a nossa ligação é a outro humano, porque estabelecer laços humanos nos protege e nos ajuda à sobrevivência. Não é credível pensar que alguém numa organização vai criar uma ligação com as pessoas de Recursos Humanos e não com os colegas próximos ou com as chefias. Não é assim que funcionamos como sapiens.

Então, porque é que acho que o tema de Gestão de Pessoas será cada vez mais central? Porque o ritmo de mudança é tal que a criação de um esqueleto central é cada vez mais importante. A pandemia veio acelerar esta necessidade. O nosso mundo mudou em duas semanas – passámos a trabalhar a partir de casa, confinámos, mudámos regulamentos, as leis alteraram, alteram-se quinzenalmente, aliás, precisamos criar bolhas de segurança para as pessoas, mudámos a maneira de interagir – uns à distância e outros presencialmente.

A gestão de Recursos Humanos torna- se a consultoria interna que ajuda a definir uma linha condutora, que ajuda a guiar a mudança. Já era assim em muitos casos, mas agora não pode ficar apenas atrás dos temas clássicos do processamento de salários, gestão operacional e recrutamento. Tem de saltar para o placo da gestão, tomar decisões e apoiar a mudança e transformação da cultura. E como as águas têm estado turbulentas, com muitas solicitações e com pedidos para os quais nenhum de nós estava preparado, é natural que saíamos desta época melhores marinheiros.»

Este artigo faz parte do tema de capa da edição de Outubro (n.º 118) da Human Resources, nas bancas.

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