Estamos no bom caminho para atingir o bem-estar nas empresas? Os especialistas respondem (enfatizando o papel das lideranças, mas defendendo que é uma responsabiilidade partilhada)

Vários especialistas reuniram-se no final da tarde de quarta-feira, dia 1 de Março, no evento “Healthy People, Healthy Business. Well-being, one step ahead”, promovido pela Swaifor em parceria com a Human Resources Portugal. Teve teve lugar no hotel Vila Galé Collection – Palácio dos Arcos, onde se debateu a saúde mental dos trabalhadores e o bem-estar geral nas empresas.

 

Elevada carga horária, excesso de esforço a nível profissional e poucas horas de descanso podem levar a um estado crítico de saúde sem nos apercebermos. A ajuda das empresas aos colaboradores é essencial para identificar possíveis sintomas e sinais de doenças associadas à saúde mental, que podem, eventualmente, ser provocadas por um elevado stress no local de trabalho.

O tema é sério mas a conversa foi descontraída, proporcionando troca de ideias entre os oradores, que  partilharam as suas experiências e reflectiram sobre diversas questões, entre as quais «como podem as organizações ter percepção do bem-estar (ou não) dos seus colaboradores e qual a melhor forma de chegar até eles? Existe um caminho certo? É preciso contratar uma equipa de profissionais?».

O evento teve início com a intervenção de Daniela Lima, manager partner da Swaifor, que enquadrou o tema do bem-estar de uma forma holística e expressou a importância de existirem «culturas que nos ajudem a desenvolver enquanto indivíduos e profissionais». A especialista convidou todos a pensar no significado de um modelo de bem-estar que engloba várias dimensões, dando destaque à questão da segurança, e defendeu que «é necessário atender às questões de saúde mental dos trabalhadores» para assegurar um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

Daniela Lima passou então a palavra a José Gabriel Quaresma, jornalista da CNN Portugal, que, sem tabus, partilhou a sua experiência de burnout, enfatizando a importância de entendermos as nossas necessidades pessoais, ainda que consideremos que está tudo a correr dentro da normalidade.

O profissional recordou como o seu comportamento se começou a alterar: «irritava-me facilmente, deixei de ter prazer no que antes tinha». Em vez de apreciar o que gostava de fazer, provocava-lhe o efeito inverso mas só ao fim de dois anos começou a perceber que estava doente e a precisar de ajuda. Durante o seu esgotamento, que o levou a estar internado quatro dias, contou com o «apoio da organização, família e amigos» e não voltou a sentir-se da mesma forma. Uma experiência «dura», onde José Gabriel conseguiu detectar os sinais e admitir que precisava de cuidados médicos. «O burnot é uma depressão, é a explosão dessa depressão», resumiu ao divulgar que, no seu caso, o desporto foi uma grande ajuda neste processo.

 

A que sinais estar atento?

A visão do profissional de Saúde foi dada pelo médico Karim Barros, que apontou o cansaço e o risco de doenças associadas como um factor que devemos sempre ter em atenção, assim como uma possível fase de negação e, consequente, ausência da procura de tratamento. «Quando a linha vermelha é ultrapassada pode resultar em tragédias», advertiu, salientando a importância de gerirmos o nosso tempo. O cansaço físico e mental excessivo e a irritabilidade fazem parte de um conjunto vasto de sintomas que podem indicar o aparecimento de doenças cardiovasculares, depressão, ansiedade e perturbações no sono, apontou o médico. E revelou que os resultados das análises feitas a um trabalhador que está sob muito stress e a um atleta de alta competição são praticamente idênticos.

Para ultrapassar um burnout ou para nos apercebermos da proximidade a que estamos da “linha vermelha”, existem considerações a ter no âmbito da alimentação, qualidade de sono e vivência social, «que são fundamentais», afirmou Karim Barros, aconselhando que nos questionemos regularmente se temos tempos de descanso adequados, se estamos felizes ou se estamos a aproximar-nos de uma fase depressiva para ajudar a perceber como verdadeiramente nos sentimos.

 

Estamos mais perto do equilíbrio ou da “linha vermelha”?

Seguiu-se uma mesa de debate, contando com Jorge Bravo, CEO na ITSector; Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati; Carla Caracol, directora de Recursos Humanos no Grupo Renascença Multimédia; e João Pedro Estanqueiro, People Experience manager na EDP Portugal, numa conversa moderada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources.

Jorge Bravo começou por partilhar que, na sua empresa, tenta-se sempre «procurar um equilíbrio» e defendeu que, para tal, deve-se investir nos líderes e nas suas competências.

Quando questionado sobre se estamos mais perto da visão holística do bem-estar ou da linha vermelha, Ana Porfírio considerou que «embora não estejamos “one step ahead”, também não estamos a “correr atrás do prejuízo”». Acredita que estamos «num bom caminho», por considerar que há um ano estávamos mais distantes do conceito de “self-awareness” (consciência) e da sua importância do que actualmente, graças a muitas acções que têm sido desenvolvidas.

Carla Caracol concorda, acreditando que as organizações estão mais atentas às necessidades de saúde e bem-estar dos colaboradores. «Não estamos num caminho ainda perfeito, mas temos estado também nós a aprender. As empresas têm cada vez mais certeza de que precisam dar atenção à saúde e ao bem-estar de uma forma holística.» Alertou ainda que, «neste período pós-pandémico, as pessoas estão no limite, precisam de ajuda» e, para que tenham apoio, as organizações devem normalizar questões quotidianas que todos têm, independentemente do cargo que desempenham.

Já João Pedro Estanqueiro lembrou que as empresas «são um espelho da sociedade e transparecem a pressão a nível económico que todos sentem». Na sua perspectiva, «é aí é que as organizações podem fazer a diferença», tanto através de uma abordagem preventiva, na partilha do que são os comportamentos saudáveis, como na intervenção, identificando e dando resposta a casos mais graves. «O facto de as organizações terem capacidade de resposta, quer na prevenção quer na intervenção, é crítico para se conseguir estar mais perto do equilíbrio», defendeu, acrescentando que não só as empresas devem saber que direcções a nível de saúde e bem-estar querem seguir, como todos os profissionais devem também identificar como promover o seu bem-estar.

 

Co-responsabilidade e o desafio do remoto
No mesmo sentido, Ana Porfírio fez notar que muitas vezes são colocados programas à disposição dos colaboradores e têm baixa adesão, registando-se taxas de utilização abaixo dos 20%. Assim, concluiu existir uma «falta de responsabilidade, tanto a nível próprio como de acompanhamento e apoio ao outro, e de auto-avaliação constante» ainda que, por vezes, sejam os próprios colaboradores a pedir as iniciativas, que vão desde desportivas, nutricionais a educativas. Não obstante esta responsbailidade de cada um, as lideranças «têm um papel fundamental em todo o processo de identificação de sintomas»,  sublinhou a directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati

Ainda sobre liderança, Carla Caracol destacou a importância das lideranças de proximidade, principalmente porque «as estratégias de promoção de well-being e boas práticas são muito interessantes, mas nem todas as organizações têm disponibilidade financeira para contratar serviços especializados». E concretizou: «as licenças de proximidade podem ser alcançadas através de relações de confiança, que se desenvolvem quando os líderes conhecem mais do que o nome dos trabalhadores ou a função que desempenham», o que mostra que «não é por não existirem recursos financeiros que não se pode actuar».

Em concordância, Jorge Bravo reiterou que «é importante preocuparmo-nos com os que estão à nossa volta e estarmos atentos aos sinais», sublinhando o benefício de um “sistema alarmístico”, que permita perceber como está o bem-estar na companhia.

Mas será possível estar “atento aos sinais” num modelo de trabalho híbrido? João Pedro Estanqueiro reconhece que há obstáculos acrescidos, contudo encara-os como parte de fase de aprendizagem que faz parte do processo. «Mas identificar os sinais neste novo contexto é diferente do que anteriormente e exige que os managers tenham certas capacidades e sejam instruídos para perceber a que comportamentos devem estar atentos.»

Ana Porfírio não deixou de ressalvar que o sentimento de “disconnect” (desconexão), habitualmente associado ao trabalho remoto, acontece também presencialmente e que os sintomas são semelhantes aos dos fumadores, pessoas que bebem álcool em excesso ou que não praticam actividade física. Como tal, a falta de conexão entre os colaboradores e a organização deve ser semppre acompanhada, em qualquer modelo de trabalho.

 

E prioridades?

Normalizar a questão do well-being e desenvolver relações de proximidade é, para Carla Caracol, essencial, assim como a organização estar disponível para ajudar o trabalhador na procura do seu propósito no trabalho. A criação de equipas bem dimensionadas, uma boa distribuição de tarefas diárias e a promoção da conciliação do tempo pessoal com o profissional são também pontos prioritários para chegar ao bem-estar dentro da empresa, na óptica da directora de Recursos Humanos no Grupo Renascença Multimédia, que vê a responsabilidade de distanciar o tempo pessoal do laboral como sendo essencial. E aconselha que os colaboradores não se inibam de partilhar as suas fragilidades com a empresa.

Por sua vez, João Pedro Estanqueiro defendeu que a inteligência emocional deve ser ensinada na escola, acreditando que, se cada colaborador investir nesse trabalho, a parte das empresas fica facilitada.

Jorge Bravo apontou a tolerância como uma falha e revelou que o segredo de uma organização é «não só juntar as pessoas, mas ensiná-las a trabalhar em equipa, transmitir alegria e torná-las produtivas. É importante ter tempo de qualidade para se produzir mais», assim como uma «correcta liderança», reiterou.

Em jeito de conclusão, Ana Porfírio reforçou que «well-being não é só self-care e o bem-estar é para ser partilhado», podendo todos contribuir.

A encerrar o evento esteve Pedro Ramos, presidente da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas, com a assinatura do protocolo APG/Swaifor, que engloba uma certificação na área do Bem-estar, entre outras iniciaticas.

Daniela Lima terminou com a deixa: «Nós cuidamos do nosso bem-estar nas diferentes vertentes e a consequência disso é a felicidade.»

 

Vai poder ler a reportagem completa na edição de Março da Human Resources.

 

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