Líderes: Força fraca, fraqueza forte

Um líder será tanto mais eficaz quanto mais puder fazer uso das suas qualidades. Todavia, as fraquezas podem tornar-se forças, e as forças fraquezas.

 

Por Arménio Rego e Miguel Pina e Cunha

 

Tendemos a pensar que os líderes carismáticos são grandes comunicadores e empolgadores de multidões. A premissa é aplicável a diversos líderes que se destacaram pela forma e pelo conteúdo dos seus discursos. Mas precisamos de reconhecer duas coisas estritamente associadas. Primeira: os actos e o significado da missão prosseguida comunicam tanto ou mais do que as palavras. Segunda: diversos líderes sem grandes capacidades de oratória são ou foram carismáticos. O caso de Gandhi é paradigmático. O modo como prosseguiu a sua missão continua a ser inspiradora. Mas as suas capacidades oratórias eram modestas. Gandhi era, aliás, tímido. Evitava falar em público. Durante a sua estada em Inglaterra, chegou a pedir a outras pessoas para lerem as palavras que ele próprio escrevera. Leia-se o seguinte extrato da sua autobiografia, a propósito de um convite para fazer uma palestra para promover o vegetarianismo: «Escrevi a minha mensagem e, ao levantar-me para ler, não consegui. A minha visão toldou-se e o meu corpo todo tremia, embora o texto fosse curto. O Sjt Mazmudar acabou por ler por mim. O seu discurso foi excelente e recebeu muitos aplausos. Fiquei triste e envergonhado pela incapacidade. Somente na África do Sul venci a minha timidez, embora nunca a tenha superado por completo. Era-me impossível fazer um discurso de improviso, por exemplo. Também hesitava cada vez que tinha de enfrentar plateias desconhecidas e, sempre que podia, evitava discursos em público.»

Leia-se, agora, o modo como Gandhi interpretou as consequências da sua timidez: «Embora a timidez me tivesse exposto a situações ridículas, não creio que tenha sido uma desvantagem na minha vida. Pelo contrário,acho que foi de grande valia. O facto de vacilar ao discursar em público, a princípio um aborrecimento, traz-me agora um certo prazer, visto que me ensinou a ser económico nas palavras. Aos poucos, adquiri o hábito de restringir os meus pensamentos, e posso afirmar que raramente uma palavra escapa da minha pena ou da minha boca que não tenha sido ponderada. Desta forma, tenho-me poupado a situações imprevistas, ou perdas de tempo com palavras desnecessárias. (…) A minha timidez, na verdade, ser- viu-me de escudo e proteção, pois fez- -me crescer e auxiliou-me no discernimento da verdade.»

 

As forças das fraquezas

O exemplo de Gandhi ajuda a compreender a necessidade de não vermos a liderança a preto e branco. Sugere-nos que desconfiemos de teorias perfeitas sobre líderes perfeitos. E mostra-nos porque é necessário ser cauteloso na abordagem da liderança focada nas forças. Esta abordagem faz sentido, pois um líder será tanto mais eficaz quanto mais puder fazer uso das suas qualidades. Todavia, as fraquezas podem tornar-se forças (como ilustra o caso de Gandhi), e as forças fraquezas. Comecemos pelas fraquezas que se transformam em forças. Scarlett Johansson, a musa de Woody Allen, afirmou em entrevista ao jornal “The New York Times” (6 de Dezembro 2016) que admitir a nossa vulnerabilidade pode ser uma coisa muito poderosa. Essa possibilidade emerge também na liderança. Os líderes capazes de assumir as suas próprias fragilidades revelam maior humildade. Tendo os pés assentes na terra, não desvalorizam os riscos e são mais capazes de aprender com os erros. Escutando os outros e estando abertos a opiniões diferentes da sua, ficam mais capacitados para tomar melhores decisões. O que não se lhes perdoa é a falta de determinação para prosseguirem a missão.

 

David vencendo Golias

O combate de David contra Golias é uma boa demonstração de como a fraqueza pode transformar-se em força (e a força em fraqueza). David venceu Golias porque as forças de Golias transformaram-se em fraqueza quando David, o pastor fraco, descobriu os pontos fracos do forte. Na vida real, os exemplos não escasseiam. Nos finais da década de 1960, nos Estados Unidos da América, os cidadãos de San Antonio, no Texas, fartos do serviço prestado por uma organização de serviços públicos, pagaram um centavo acima do facturado. A organização teve de notificar cada cliente do excesso pago, o que aumentou o trabalho burocrático. No mês seguinte, fruindo do crédito de um centavo, cada cliente pagou menos um centavo do que o facturado. Nova notificação foi necessária. E mais trabalho burocrático foi requerido para fazer o acerto. A confusão burocrática daqui resultante foi a arma que David usou contra Golias. Igualmente engenhosa foi a estratégia usada por activistas russos pró-democracia para boicotarem uma banda pró-regime de Putin, cuja actuação pretendia abafar manifestações da oposição. Perante os olhares da banda, os activistas começaram a comer limões. Quando alguém vê outrem a comer limões, começa a salivar – pelo que a banda sentiu dificuldades em cantar!

Malcom Gladwell, numa obra precisamente intitulada “David e Golias”, deu conta de como o mito está vivo e pode ajudar a compreender como o mais fraco pode vencer o mais forte. David Boies era disléxico e fez o curso de Direito tardiamente, numa instituição de prestígio modesto. A sua fraqueza na leitura virou uma enorme força nas competências de escuta, o que o transformou num famoso advogado. Na década de 1990 liderou, com sucesso, a equipa que acusou a Microsoft de violar leis anti-monopólio. O caso não é inédito. Sir Richard Branson, fundador e líder do grupo Virgin, é disléxico. A sua fraqueza transformou-se na sua “maior força”. Afirmou ao jornal “The Washington Post”: «Desde jovem, aprendi a focar-me nas coisas em que era bom e a delegar aos outros aquilo em que eu não o era. Esta é a forma como a Virgin é gerida. Pessoas fantásticas em todo o grupo Virgin gerem os nossos negócios, permitindo-me pensar criativa e estrategicamente. Esta não é  uma competência que se desenvolva facilmente. Todavia, quando somos disléxicos, temos de confiar nos outros
para que realizem tarefas em nosso no- me. Em alguns casos, isso pode envolver a leitura e a escrita. E nós aprende- mos a deixar que as coisas avancem.»

Leia o artigo na íntegra na edição de Julho/Agosto da Human Resources.

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