Líderes perseverantes são mais felizes? Depende de quão prudentes são

Costuma supor-se que a perseverança das lideranças é benéfica para a sua carreira e o seu desempenho. Porém, a perseverança pode ser problemática se não estiver acompanhada da prudência.

 

Por Arménio Rego, Professor catedrático e director do LEAD Lab da Católica Porto Business School e Camilo Valverde, professor auxiliar na Católica Porto Business School

 

Quando não são prudentes, as lideranças perseverantes dedicam- -se excessivamente ao trabalho, experienciam conflito trabalho-família, e daí decorrem efeitos perversos no seu bem-estar afectivo. São menos felizes. Diferentemente, as lideranças perseverantes, quando são também munidas de prudência, gerem melhor as duas facetas da sua vida e experienciam maior felicidade. Dado que a investigação sugere que a felicidade das lideranças contagia a das pessoas lideradas, e que daí resultam efeitos para o desempenho da equipa, a nossa investigação mostra como é importante ter em atenção as duas virtudes (isto é, a perseverança e a prudência) quando seleccionamos e desenvolvemos líderes.

A perseverança (também designada determinação, “garra” ou “fibra”) é uma qualidade importante para se ser bem-sucedido em qualquer actividade. É-o, por maioria de razão, no exercício de funções de liderança. Quem lidera necessita de fazer uso da sua determinação para ultrapassar obstáculos, enfrentar desafios, persuadir interlocutores, lidar com fracassos e prosseguir objectivos. Há, todavia, um lado menos brilhante na determinação – a obstinação, a incapacidade para abandonar projectos interessantes mais inviáveis, e um excessivo foco no trabalho em detrimento da vida pessoal-familiar. Daqui podem decorrer experiências disfuncionais de conflito trabalho-família, com consequências para o bem-estar de quem lidera e, indirectamente, o seu desempenho.

O caso do nosso compatriota António Horta-Osório, então CEO do Lloyds Bank, é paradigmático. Em 2011, exausto física e mentalmente devido à dedicação ao banco, viu-se forçado a uma baixa médica durante dois meses. A cotação do Lloyds caiu significativamente. O próprio Horta- -Osório reconheceu que se dedicara à instituição de um modo “demasiadamente sério”, prejudicando a sua vida familiar e a sua saúde. Esta experiência pessoal conduziu-o a lançar uma iniciativa focada na prevenção dos problemas de saúde mental nas organizações.

O caso não é inédito e suscita uma questão: o que pode defender as lideranças dos perigos da determinação férrea? Na investigação que levámos a cabo, e aqui descrevemos sucintamente, focamo-nos na prudência – a capacidade de ponderar sobre as consequências das nossas acções e decisões. Eis a nossa hipótese:

As lideranças perseverantes, se não forem prudentes, experienciam maior conflito trabalho-família, daí decorrendo efeitos perversos no seu bem-estar afectivo – ou, para simplificar, na sua felicidade. Estas lideranças subestimam as consequências perversas do excessivo foco no trabalho. Nada as demove da prossecução determinada dos seus objectivos profissionais, e não prestam a devida atenção aos potenciais efeitos negativos que daí podem decorrer na vida pessoal-familiar.

Diferentemente, as lideranças perseverantes e prudentes experienciam menor conflito trabalho-família, daí decorrendo efeitos positivos para a sua felicidade. Estas lideranças são determinadas na prossecução dos seus objectivos profissionais, mas também dos familiares/ pessoais. Cientes dos desafios e escapando a excessos de autoconfiança, evitam acções e decisões que façam perigar o domínio pessoal-familiar. Socorrem-se do equilíbrio alcançado num domínio para alcançar equilíbrio no outro.

 

A investigação
Para testar a hipótese, realizámos um estudo com 139 lideranças, que se autodescreveram e foram descritas por 657 liderados. Um segundo estudo (envolvendo 80 líderes e 309 liderado/as) gerou os mesmos resultados, pelo que aqui apenas descrevemos os principais resultados do primeiro. Os detalhes psicométricos da investigação podem ser encontrados num artigo publicado numa revista científica.

Começámos por relacionar as experiências de conflito trabalho-família com a felicidade dos líderes. Dividimos as 139 lideranças em três patamares de conflito trabalho-família e calculámos a felicidade para cada patamar.

Os resultados, contemplados na Figura 1, sugerem que as lideranças que experienciam mais conflito trabalho-família descrevem-se como menos felizes.

Num segundo passo, dividimos as lideranças em dois níveis de prudência (baixa e alta) e analisámos o que ocorria nas suas experiências de conflito trabalho-família à medida que os níveis de determinação (baixo, médio, elevado) aumentavam. A Figura 2.1 descreve as lideranças pouco prudentes: à medida que aumenta a sua perseverança, experienciam maior conflito trabalho-família (e, indirectamente, menor felicidade, como sugere a Figura 1). A Figura 2.2 descreve as lideranças mais prudentes: à medida que aumenta a sua perseverança, experienciam menos conflito trabalho-família e, indirectamente, mais felicidade.

 

Conclusão
Da evidência gerada pela investigação parece poder concluir-se que as lideranças muito perseverantes poderão experienciar dificuldades de conciliação trabalho-família, daqui decorrendo efeitos perversos no seu bem-estar e, indirectamente, no seu desempenho. As lideranças que lidam melhor com a tensão trabalho-família são, simultaneamente, perseverantes e prudentes.

A perseverança, sem prudência, pode ser problemática. Preste-se ainda atenção à Figura 2.2 e constatar-se-á que a prudência, sem perseverança, também não é recomendável. As lideranças prudentes, se não forem determinadas, podem ficar de tal modo preocupadas com as implicações do seu trabalho na vida familiar que acabam a experienciar mais intensamente o conflito entre os dois domínios da vida.

As implicações do estudo são claras. Precisamos de líderes perseverantes – mas também prudentes. Quando seleccionamos lideranças, importa que escolhamos as mais determinadas – desde que sejam prudentes. Também devemos sensibilizar as lideranças para a importância de cultivarem essas duas virtudes em simultâneo. A perseverança, se estiver desacompanhada de prudência, pode ser uma fonte de problemas, tanto para quem lidera como para as pessoas lideradas e organização.

Eis a lição para quem lidera, cuja implicação é bastante exigente: seja perseverante…mas também prudente.

 

Esta artigo foi publicado na edição de Março (nº. 147) da Human Resources, nas bancas. 

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