
Maria João Oliveira, CEO da Wavemake: Por que é que o mundo empresarial não acompanha a demografia?
Maria João Oliveira, CEO da Wavemaker, acredita que «a imposição de quotas mínimas obrigatórias imediatas, pode ter um efeito adverso, de menorização das próprias mulheres, sendo prejudicial à aceleração das mulheres na liderança».
Quais foram os principais desafios ultrapassados para chegar onde está hoje? Alguma vez se sentiu em “desvantagem por ser mulher?
Tenho o privilégio de poder afirmar que nunca, nem no passado nem no presente, senti qualquer tipo de discriminação. Tanto no grupo de empresas do Groupm como na Wavemaker, não só defendemos a diversidade como a vivemos: existe respeito e tolerância sobre as características individuais de cada colaborador. Os desafios que senti são os inerentes à exigência da minha profissão, mas para os quais sempre tive o apoio dos meus peers homens ou mulheres. Aliás, ao longo da minha vida profissional, hoje inclusive, os meus mentores foram sempre homens.
Qual a importância da diversidade de género nos cargos de liderança das empresas?
É sobretudo uma questão de igualdade de oportunidade ou de negócio? É claro para mim que diversidade beneficia tanto a empresa quanto o colaborador. E os números são claros: uma empresa que promove os princípios de Diversidade & Inclusão tem três vezes melhor performance e pode ser seis vezes mais inovadora e ágil (“The Diversity and Inclusion Revolution, Eight Powerful Truths”, Deloitte, 2018).
Para nós, que respiramos a jornada do consumidor, promover internamente diferentes visões do mundo, comportamentos e culturas, alarga horizontes, evita “bias” inconscientes e é decisivo para a conquista de novas áreas de negócio, para a criação de novos produtos e maior alinhamento nas abordagens com o mercado.
Maior diversidade nas empresas permite também atrair e manter talentos e melhora a tomada de decisões. A valorização da diferença, a começar pelo topo, faz com que os colaboradores se sintam mais à vontade para partilhar as suas experiências, para dialogar e aprender com os outros, o que se reflecte positivamente no clima organizacional.
Afinal, quem não quer trabalhar num ambiente saudável, onde se promove o respeito, o bem-estar e a aprendizagem? A diversidade é um diferencial estratégico para as empresas, respectivas lideranças e colaboradores, trazendo consigo mais sucesso e maior vantagem competitiva para todos, mas precisa de ser encarada como uma parte intrínseca do negócio, e não do marketing.
É possível identificar um estilo de liderança mais masculino e mais feminino? Ou os diferentes estilos de liderança dependem sobretudo da personalidade de cada pessoa, independentemente do género? E existirão especificidades de sector para sector, sendo que alguns são considerados mais “masculinos”?
Muita pesquisa se tem feito sobre o tema… Há até quem diga que as mulheres têm um estilo de liderança mais transformativo, ou pelo menos mais guiado pela sensibilidade e pela comunicação, o que poderá estar ligado por exemplo a uma produção mais elevada de oxitocina (“How men and women lead differently, Gender Intelligence 2014”).
Não sou cientista, nem tão pouco especialista no tema, no entanto, não considero que haja sectores mais ou menos adequados para uma mulher ou um homem, nem tão pouco estilos de liderança acentuadamente diferenciados por género. Há, sim, determinantes, que, de uma forma dinâmica, influenciam de forma mais preponderante o estilo de liderança e a escolha “sectorial” de ambos: são eles os interesses pessoais, valores, traços de personalidade, aptidões, qualificações e competências, e até mesmo as experiências de socialização de cada um.
Acredito, porém, que a presença das características dos dois géneros na liderança de uma empresa a torna mais próspera e que temos muito a aprender uns com os outros.
Estudos indicam que, ao ritmo actual, serão precisos cerca de 100 anos para se alcançar uma efectiva igualdade de género. Mas o tema das quotas é sempre polémico, porque levanta a questão de se poder estar a sobrepor o género à competência. Como vê este tema e como acha que se pode acelerar esta tendência, para casos como o seu deixarem de ser excepção?
Para mim, mais importante do que começar a impor quotas às empresas, é perceber o porquê da falta de representatividade das mulheres na liderança – somos 53% da população portuguesa e representamos já 61% das pessoas com nível de ensino superior em Portugal. O mundo empresarial não está de facto a acompanhar a demografia. Porquê?
Prefiro pensar nas quotas como uma meta orientativa que obriga as empresas a repensar recrutamentos, objectivos e progressão. A imposição de quotas mínimas obrigatórias imediatas, na minha opinião, pode ter um efeito adverso, de menorização das próprias mulheres, sendo prejudicial à aceleração das mulheres na liderança. Ao forçarmos a promoção de mulheres apenas pelo seu sexo em detrimento da sua competência, estaríamos não só a incorrer em injustiças contra as quais lutamos, como também a diminuir o valor das empresas com lideranças incompetentes. É preciso criar os mecanismos de equalização em todas as etapas que levam à liderança – o foco deve estar no design e não no número.
De forma prática, um dos elementos que mais me preocupa é o facto de que a mulher ainda assume o peso do cuidador, o que significa que, para o equilíbrio entre géneros ser alcançado, é preciso encontrar a flexibilização, os horários e condições de trabalho (serviços de infantário; prestação de cuidados a idosos; flexibilização de horário de trabalho/ teletrabalho; licenças maternidade/ apoio a família), que permitam aos colaboradores, independentemente do género, ter um melhor equilíbrio entre as necessidades das suas vidas pessoais e as suas carreiras profissionais. Incluindo a forma como se criam condições para o teletrabalho, que pode ser ao mesmo tempo um acelerador ou um setback incrível para a igualdade de género. Não é por acaso que o desemprego resultante da pandemia tem um efeito desproporcionado nas mulheres.
Este artigo faz parte do tema de capa da edição de Março (123) da Human Resources, nas bancas.
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