
Perguntas que nunca fariam a um homem se ele tivesse um cargo de liderança
Por Rita Maria Nunes, Country manager da The Alternative Board (TAB) em Portugal
O Dia da Mulher devia ser um momento de celebração. Mas, para muitas mulheres em cargos de liderança, é também um lembrete de todas as barreiras invisíveis que ainda existem. Enquanto se fala de progresso, as mulheres líderes continuam a enfrentar desafios que os homens simplesmente não experienciam.
Não acredita? Então experimente este exercício: pegue numa destas perguntas e imagine-a dirigida a um CEO homem. Parece absurda? Pois é. Mas as mulheres ouvem-nas o tempo todo.
Vamos às perguntas que nunca fariam a um homem se ele estivesse num cargo de liderança.
- “Como consegues equilibrar o trabalho com a vida familiar?”
Se um CEO homem tem filhos, ninguém se questiona sobre como gere a sua vida pessoal. Ninguém assume que ele deve sair mais cedo para ir buscar os miúdos à escola ou que tem de planear a carreira em função da família. Mas para uma mulher líder, esta pergunta é quase um ritual.
Porquê? Porque ainda vivemos numa sociedade onde a carga mental do lar e da família continua a ser considerada, em grande parte, “coisa de mulher”.
Agora imagine alguém perguntar a um director executivo homem:
“E a tua esposa, fica chateada por trabalhares tanto?”
Ridículo, não é? Mas é exactamente isso que perguntam a muitas mulheres em cargos de topo.
- “Não tens medo de parecer demasiado agressiva?”
Se um homem toma decisões rápidas, impõe respeito e exige resultados, é visto como determinado, firme e assertivo. Mas, se uma mulher faz exactamente o mesmo, o risco de ser rotulada como “mandona”, “difícil” ou “fria” é altíssimo.
Quando foi a última vez que perguntaram a um líder masculino se estava a ser “demasiado duro” com a equipa?
A verdade é que a liderança masculina já vem com um estatuto automático de autoridade. As mulheres, por outro lado, ainda precisam de provar constantemente que merecem estar ali – mas sem parecerem “agressivas” demais, porque senão são penalizadas por isso.
- “Tens a certeza de que estás preparada para este desafio?”
Esta é clássica. Quando uma mulher assume um cargo de topo, há sempre um tom de “certeza absoluta” na dúvida dos outros. Como se fosse um teste onde tem de provar que é capaz, enquanto um homem na mesma posição seria simplesmente aceite como líder.
A questão aqui não é a pergunta em si – é a forma como é feita.
Os homens são assumidos como competentes até prova em contrário. As mulheres são assumidas como inexperientes até que demonstrem o contrário.
E, muitas vezes, mesmo depois de provarem, a dúvida continua.
- “Como é que chegaste aqui?”
Esta pergunta pode parecer inofensiva, mas esconde um viés perigoso: a suposição de que uma mulher numa posição de liderança só pode ter chegado lá por sorte, por um golpe de sorte, por boas conexões ou porque “alguém a ajudou”.
A pergunta implícita é: “Tens mesmo competência ou foste uma excepção?”
Já viu alguém perguntar a um CEO homem como é que ele chegou lá? Claro que não. Porque a sociedade assume que chegou ao topo porque trabalhou para isso.
Com mulheres, a dúvida persiste. Sempre.
- “És a favor das quotas para mulheres?”
Ninguém pergunta a um homem se apoia “quotas para homens” quando vê uma sala de reuniões cheia deles. Mas quando uma mulher chega a um cargo de topo, há sempre alguém pronto a questionar se foi mérito ou se foi um benefício das políticas de diversidade.
Perguntar a uma mulher líder sobre quotas é sugerir, ainda que indirectamente, que ela pode estar ali por algo que não seja competência.
Agora, pense comigo: se a liderança masculina foi durante séculos dominada por redes de contactos e favoritismos, porque é que só agora, quando as mulheres começam a ocupar espaço, é que o conceito de mérito se tornou tão importante?
- “E quando decidires ter filhos?”
Esta é a pergunta que assombra qualquer mulher entre os 25 e os 40 anos que se atreve a crescer na carreira. A maternidade continua a ser vista como um obstáculo à liderança feminina, enquanto a paternidade é quase irrelevante na equação profissional dos homens.
As mulheres que já têm filhos são questionadas sobre como vão gerir o tempo.
As que não têm são questionadas sobre quando pretendem tê-los – e se isso não irá “atrapalhar” os seus compromissos.
Um homem que se torna pai raramente vê o seu compromisso profissional posto em causa. Uma mulher, por outro lado, pode ver a sua carreira estagnar assim que engravida.
E isto não é teoria – é um facto.
- “Quem te inspira?”
À primeira vista, parece uma pergunta normal. Mas repare como as respostas esperadas são diferentes para homens e mulheres.
Se um homem disser que se inspira em Steve Jobs ou Elon Musk, é considerado ambicioso e visionário.
Mas se uma mulher disser que se inspira em outras líderes femininas, muitas vezes a reacção é de surpresa – como se as mulheres precisassem sempre de uma referência masculina para serem levadas a sério.
Ainda há um longo caminho para normalizar a ideia de que as mulheres podem inspirar-se em outras mulheres sem que isso seja visto como um nicho ou uma causa.
- “Como é ser uma mulher na liderança?”
Esta pergunta pode parecer um elogio, mas na verdade é um reflexo do quanto a liderança feminina ainda é vista como uma excepção.
Perguntar a uma mulher como é liderar sendo mulher é, de certa forma, reafirmar a ideia de que a liderança tem um padrão masculino – e que ela, por ser mulher, está a fazer algo “diferente”.
Imagine um CEO homem ser questionado: “Como é liderar sendo homem?”
Ridículo, certo?
Conclusão: O problema nunca foi a pergunta – foi sempre a perspectiva
O problema destas perguntas não é a curiosidade, nem sequer o tom com que são feitas. O problema é o que está por trás: a suposição de que a liderança feminina ainda é uma excepção, algo raro, algo que precisa de ser explicado.
O verdadeiro desafio não é que parem de fazer estas perguntas. O verdadeiro desafio é criar um mundo onde nenhuma destas perguntas faça sentido.
Enquanto uma mulher líder tiver de responder a questões que nunca seriam feitas a um homem na mesma posição, o caminho ainda não está terminado.
E é por isso que o Dia da Mulher não é só sobre flores e elogios. É sobre continuar a desafiar estas narrativas e mudar a forma como vemos a liderança.
Porque a verdadeira igualdade não é quando as mulheres podem liderar – é quando ninguém se surpreende com isso.