O “mercado de transferências” de profissionais: sobre a legitimidade de quem escolhe e de quem é escolhido

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

 

Ano novo, vida nova… mas questões éticas velhas por resolver. Este ano inicia-se com uma proliferação atípica de oportunidades de trabalho, e de pessoas que todos os dias anunciam que têm um novo emprego, um novo desafio, uma nova entidade patronal. Isso é extraordinário porque as pessoas estão orgulhosas e felizes, mas merece alguma reflexão.
A cada início de ciclo há sempre energia, vontade e predisposição para a mudança e este ano parece particularmente ativo o “mercado de transferências” de profissionais, em geral, e em particular de gestão de pessoas. Se, por um lado, significa dinâmica do mercado laboral, e que os movimentos de ajustamento do mercado de trabalho de emprego estão a funcionar, por outro lado importa que vejamos alguns pontos:

 

  • O desejo da mudança – todos os que refletem e se preocupam com o mundo das pessoas e do trabalho, sabem que este tem mudado significativamente nos últimos anos. Novos modelos de trabalho, novas necessidades, novos valores, formas de fazer diferentes, etc. Sem dúvida que hoje a relação trabalhador-trabalho-empregador é mais flexível e todos os dias se equacionam os formatos da mesma. Então, provavelmente há um crescendo na consciência da necessidade de mudar, de experimentar, de crescer, de arriscar (porque amanhã pode haver outra pandemia e as pessoas não querem viver da mesma forma). Profissionais de rh, compreendam e acomodem esta atitude face ao trabalho, porque efetivamente o emprego já não é para a vida – já não era e cada vez será menos, por isso as pessoas estão a mudar de empregador, de trabalho, de área, de cidade, … e cada vez mais. Vejam-se os constantes anúncios no linkedin a propósito.
  • A legitimidade (e competência) de quem escolhe – neste contexto cada vez mais complexo, de maior e mais acelerada rotação, é importante a capacitação de quem escolhe, parecendo haver uma “caça aos recrutadores”, quase como há uns anos atrás havia a promotores de empreendimentos em “time sharing”. Os jovens recém-licenciados em RH estão a ser atraídos para a área da captação, porque há escassez de recursos e por isso o esforço tem de ser mais e maior – certo, mas menos experiência, menos preparação e competências não provocarão “mais erros de casting”, porque é necessário que as pessoas se adaptem e aprendam e nem sempre há esse tempo.
  • A legitimidade (e a responsabilidade) de quem é escolhido – um processo de escolha é sempre um investimento de um empregador e estamos certos de que ninguém aposta para perder. No entanto, e admitindo tudo de racional e processual que uma escolha possa acarretar, procura-se sempre o melhor ou, pelo menos, aquele que parece melhor e mais garantias ofereça. Do ponto de vista do candidato, do trabalhador, deveria procurar compreender também que nem sempre o fit é automático e que há necessidade de ajustamento, tempo e aprendizagem de parte a parte. Quando alguém é escolhido, para um cargo por exemplo, entre muitos outros candidatos, passa-lhe pela cabeça que tem o dever de honrar essa escolha em que foi o eleito? Claro que ética e deontologia cada qual toma a que quer, e talvez eu seja old school, mas entendo que sim, que deve honrar ter sido escolhido, com aquilo que vai trazer de retorno. Quando alguém, ao fim de 6 meses, diz que já aprendeu tudo o que o que podia aprender e por isso “vai”, talvez não tenha esta noção de que também deve.

Parece até que se está a falar de política ou de episódios pitorescos de um país de brandos costumes à beira-mar plantado, mas não: estamos mesmo a referir-nos a processos de captação de recursos, de recrutamento e seleção, uma das mais complexas e desafiantes atividades da gestão de pessoas na atualidade.