Um artigo politicamente incorrecto
Começo com um aviso à navegação – este texto só me obriga a mim, já que traduz apenas a minha opinião. Segundo aviso – não é exactamente politicamente correcta. Feitos os avisos, vou partilhar emoções e falar de gestão de emoções.
Por Catarina Hora, directora de Capital Humano do Novo Banco
Voltemos à semana em que Portugal acordou para a pandemia. Até lá, era só mais um vírus daqueles que há na Ásia e que não chegam cá. Confinámo-nos em casa. E bem, porque foi a estratégia para proteger um sistema de saúde que não estava preparado (nenhum estava, nunca se está, diria, nem a habituada Ásia). Sucediam-se as publicações sobre as percentagens de pessoas que as organizações já tinham em teletrabalho e parecia que afinal o que era ideal era ter 100% das pessoas em teletrabalho. Como se isso fosse possível. E como se isso fosse possível no longo prazo.
O medo foi a emoção que se sobrepôs a todas as outras e passou a comandar o discurso geral, de tal modo que alguém que saía para um passeio higiénico era visto como um perigoso e potencial assassino, porque não se estava a confinar. O foco era todo no confinamento, como se a solução para a pandemia aparecesse num mês ou dois. As pessoas suplicavam para ir para casa, como se disso dependesse a sua vida e como se fossem ficar em casa o resto do tempo até que o risco fosse eliminado.
Vi muitas pessoas a tomarem opções de curto prazo – ora decidiam não ver os pais porque estes tinham mais de 70 anos, ora decidiam que deixavam de ter empregada porque esta vinha de transportes. Estas pareciam-me estratégias de curto prazo aplicadas ao longo prazo. Estariam dispostas a mantê-las por seis meses? Por um ano?
A pergunta que me coloquei foi a seguinte: estou eu disposta a viver numa gruta durante um ano (ou mais; estimei um ano como tempo médio para que uma de três variáveis – vacina, medicamento ou imunidade de grupo – tenha sucesso) que a pandemia vai durar? A minha resposta foi clara: Não. Admito que outras pessoas tenham outra, mas esta foi a minha. Por isso, passei a tentar adaptar a minha vida desde logo para os12 meses seguintes, o que leva os meus familiares e amigos a dizer que não me cheguei a confinar. Não é bem assim, mas já lá vamos.
O vírus é mais contagioso, mais duro e mais mortífero do que a gripe, mas vamos ter de aprender a viver com ele. Então, quanto mais rapidamente eu conseguisse incluir hábitos e rotinas que fossem preventivas de contágio, melhor. Incluir um novo hábito na nossa vida demora, em média, 40 dias (a verdadeira origem da palavra quarentena), pelo que iniciei a minha quarentena com esses hábitos diários de lavagem de mãos, lavagem de roupas diariamente, de lavagem de cartões de empregado e de cartões multibanco, de álcool gel no volante, na manete de mudanças e na ignição do carro, limpeza do telemóvel e um sem-número de pequenos novos hábitos em momentos chave do dia.
Continuei a visitar a minha mãe sem lhe tocar e mantendo a distância de segurança, a correr em sítios públicos, a fazer ginástica, a ir jantar a casa de amigos com uma visão semelhante à minha, a apanhar sol e a ir trabalhar todos os dias. Deixei de estar em sítios públicos, deixei de estar com mais de três pessoas ao mesmo tempo e deixei de correr em sítios com muitas pessoas. Mas resisti a fechar-me na gruta. Do meu ponto de vista, isto era resistir ao medo e aceitar a incerteza.
Há vários anos que defendo que uma das competências mais importantes do “mundo que aí vem” é a gestão da ambiguidade, é saber viver com a incerteza. Esta pandemia leva-me a achar que agora é a competência que se tornou essencial. Tivemos de nos adaptar a não conseguir planear a quinzena seguinte e preparar a vida apenas semana a semana. Agora estamos a planear mês a mês, mas já ninguém se atreve a antecipar um semestre.
Hoje falamos do início do ano de 2020 como se fosse longínquo – temporalmente não é, mas emocionalmente sim –, porque esse é um tempo em que a noção de planeamento e previsão eram diferentes. Venham a incerteza e a ambiguidade, para as quais teremos voz de veludo e nervos de aço, que gerir pandemias já é um ponto no currículo de todos.
Este artigo foi publicado na edição de Junho (nº. 114) da Human Resources.