Mariana Canto e Castro, Randstad: «The survival of the fittest agora é a capacidade de acompanhar a transformação»

Mariana Canto e Castro, directora de Recursos Humanos da Randstad Portugal, destaca «a mudança está em curso e a escolha é nossa: ou temos capacidade de evoluir e de nos transformar, ou então o nosso futuro de gestores não será o mais bem-sucedido. E o futuro do nosso talento vai escapar entre as nossas mãos». 

 

«Pandemia, guerra na Europa, retracção económica, inflação, recessão… Os loucos anos 20 do séc. XXI têm-se revelado de facto “loucos”, mas não pelas melhores razões; antes pelo contrário: o “mood” é o oposto ao dos anos 20 da música disruptiva, forma de vida desafiadora, libertação, transformação e “loucura saudável” do século passado; a década que agora vivemos parece apostada em criar situações extremas, daquelas que todos dizíamos serem impossíveis quando as víamos retratadas em filmes ou séries menos credíveis… Mais uma vez, a realidade ultrapassou a ficção; mais uma vez nos vemos confrontados com situações para as quais estávamos totalmente impreparados, pois muitas são de facto a primeira vez que acontecem no nosso tempo de vida (ou até mesmo, duas gerações atrás), e as outras acontecem, evoluem, transformam-se e readapatam-se de modo tão acelerado que ainda não acabámos de as compreender e já a realidade é outra… Einstein dizia que continuar a fazer as coisas da mesma forma esperando resultados diferentes não é propriamente uma grande demonstração de inteligência… Hoje, diria que nem sequer é uma demonstração de capacidade de sobrevivência. A instabilidade substituiu a volubilidade; a ansiedade sobrepôs-se à incerteza; a incongurência é transversal.

A Gestão de Pessoas, estando estas afectadas por todo este ambiente não linear que se transforma a alta velocidade em nosso redor, é cada vez mais desafiante: não podemos usar as mesmas regras ou princípios; as teorias de há 20 anos estão totalmente desajustadas; as formas de engagement têm de ser adaptadas, e precisamos de avaliar diariamente as tendências sociais para compreender quais as melhores abordagens.

Onde dantes as empresas se preocupavam com parcerias com cabeleireiros, hoje apostam em temas de saúde mental; quando dantes se avaliava se um determinado sector de actividade era interessante para trabalhar durante décadas, hoje analisa-se o propósito subjacente a cada empresa e se é àquele “bem maior” que nos queremos dedicar; onde anteriormente “perks” de função tinham a ver com um computador mais potente, um telemóvel melhor ou uma sala ou secretária com vista exterior ou num piso mais elevado, hoje centram-se na possibilidade de trabalhar em remoto, flexibilidade horária, escolha da geografia de onde trabalhar…

Se continuarmos a gerir o talento de hoje como geríamos há 20 anos, provavelmente teremos um enorme fracasso. Mas não são apenas as políticas de Gestão de Pessoas que têm de mudar: a sociedade por inteiro também tem de se adaptar.

Seja através de incentivos salariais aos trabalhadores e fiscais às empresas; seja através de políticas ajustadas aos diferentes sectores económicos, públicos, privados; seja através da adaptação da legislação à realidade existente. E se pensamos automaticamente na lei laboral, sim ela tem de mudar; mas a transformação tem de acontecer longe de discursos políticos e dogmas ideológicos; tem de acontecer face àquilo que é a realidade da sociedade e da economia; mas também a legislação fiscal e contraordenacional têm de se adaptar para que as acções de controlo e fiscalização e as coimas aplicadas vão ao encontro do que é estrutural e não do que representa “easy money” para o Estado; também as empresas têm de compreender que a organização de sempre tem de ser adaptada, que a força de trabalho tem de ser fluida, que as lideranças têm de ser isso mesmo, “líderes”, e não os “chefes”; que nunca mais iremos voltar ao que era antes de Março de 2020 e que esses modelos de vida, trabalho, actividade, gestão, pertencem a um passado que já lá vai e não voltará.

A Justiça tem também um papel essencial a desempenhar em tudo isto, mas precisamos de órgãos e agentes judiciais conhecedores da realidade corporativa e não apenas das doutrinas e teorias académicas, tantas vezes desfasadas e desajustadas temporalmente e factualmente daquilo que de facto acontece…

Hoje, ninguém faz carreiras de 30 ou 40 anos numa mesma empresa; hoje, um trabalhador senior traz tantos contributos valiosos a uma equipa como o recém-licenciado actualizado com as mais recentes práticas de gestão; hoje, diversidade e inclusão não podem ser apenas palavras bonitas nos “statements” de visão das empresas; hoje, a sustentabilidade é “A” via de tentarmos salvaguardar o nosso futuro; hoje… hoje, o mundo mudou. Rodou 180º graus e ou temos a capacidade de rodar também, ou ficaremos permanentemente desajustados e desenquadrados. Não é por não rodarmos que ele vai voltar à posição original. Não é por não querermos que mude que isso vai travar seja o que for.

A mudança está em curso e a escolha é nossa: ou temos capacidade de evoluir e de nos transformar, ou então o nosso futuro de gestores não será o mais bem-sucedido. E o futuro do nosso talento vai escapar entre as nossas mãos. Charles Darwin dizia, há dois séculos, que as espécies mais ajustadas à sobrevivência não são as mais fortes nem as mais ferozes; são as que demonstram maior capacidade de adaptação. Chamo-lhe maior capacidade de acompanhar a transformação.

A escolha está do nosso lado. Queremos ser bons gestores, queremos ser capazes de transformar a sociedade, ou vamos ficar apenas por ir acompanhando e “ir vendo” o que acontece?

Bem, a escolha é nossa, de cada um. Pessoalmente, opto por exigir transformação e fazer o possível para que a mesma vá acontecendo. Profissionalmente, sinto-me grata pelo privilégio de viver em tempos tão exigentes e tão interessantes e poder tentar deixar uma marca… de evolução.»

 

Este testemunho foi publicado na edição de Outubro (nº.142) da Human Resources, no âmbito da  XLIII edição do seu Barómetro.

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