Os Brasileiros e os Portugueses

Opinião de Isabel Moisés

Directora de RH Heineken Brasil

Os Brasileiros têm ainda hoje uma imagem pouco moderna do Português. “Terrinha e cafezinho” são exemplos das palavras que lhes invadem o imaginário quando pensam no mundo Português. As anedotas sobre os Portugueses têm um conteúdo similar às anedotas, nem sempre caridosas, que os “Tugas” contam sobre os alentejanos. Enfim, nada de muito gratificante! Acima de tudo, caricaturas de gente pouco inteligente, pouco mundana, pouco esclarecida e com pouca influência no mundo em geral.

Os Portugueses julgam conhecer o Brasil, por saberem de cor os nomes dos maiores actores e actrizes Brasileiros – desde Reginaldo Faria, passando por Tony Ramos, Lima Duarte, António Fagundes,Tarcísio Meira, Rodrigo Santoro, Fernanda Montenegro, Regina Duarte, Glória Menezes, Glória Pires, Marília Pêra, Patrícia Pilar, Laura Cardoso, entre muitos outros, e terem visto muitas horas de telenovelas Brasileiras, passadas em diferentes regiões. Mas o inverso é uma realidade bem oposta. Senão vejamos, nunca ouvi nenhum Brasileiro falar em Eunice Muñoz ou Rui de Carvalho, ou ainda, Raul Solnado, Nicolau Breyner, Alexandra Lencastre, Amélia Rey Colaço, Margarida Marinho, Diogo Infante, Camilo de Oliveira, Fernanda Serrano, Virgílio Castelo, Leonor Silveira, só para citar alguns. No mundo da música, a ponte cultural que Portugal sempre teve com o Brasil é também desequilibrada. Os Portugueses conhecem o nome e as músicas dos grandes cantores Brasileiros. Os Brasileiros conhecem o Roberto Leal, mas nunca falam da Eugénia Melo e Castro. Não sei se na escrita é diferente. Talvez, por conta do Nobel de Saramago. Mas com excepção de uma comunidade mais intelectual e bem pequena, desconfio que serão poucos os Brasileiros que leram Fernando Pessoa, Eça, Garret ou Camões.

O pastel de bacalhau é conhecido e tratado como bolinho de bacalhau, mas há muito Brasileiro que nunca ouviu falar do pastel de nata de Belém, já para não mencionar os travesseiros da Piriquita. Lisboa e Coimbra são razoavelmente referidas como cidades a conhecer, mas, por exemplo, poucos Brasileiros demonstram saber da existência da ilha dos Açores. Até Sintra, que é uma vaidade para os Portugueses – só é mesmo referida por uns poucos que já visitaram Portugal. Aliás, o mais comum é encontrar Brasileiros que conhecem, na condição de turista, alguns países da Europa, mas que ainda não foram a Portugal.

Porque pensam que conhecem o Brasil, os Portugueses quando aterram no Brasil não estão, na maior parte das vezes, preparados para a diferença cultural. Isso não obstante a que se adaptem rapidamente. O que é bom, mas também tem os seus efeitos perversos. É bom porque acelera a integração e os torna populares. É mau porque os incapacita de poderem ser líderes da mudança. Podem ser agentes da mudança, mas dificilmente serão os que provocam rupturas e transformações no “modus operandi” vigente.

Alguém me dizia um dia destes que os Portugueses se apresentam com um espírito explorador quando comparados com os Italianos, que preservam à exaustão o que é nacional. O Português experimenta todas as gastronomias. O Italiano não experimenta porque está convencido que nada, nem ninguém, supera aquilo que é verdadeiramente Italiano.

A comparação com os Italianos é pertinente porque a origem Italiana é muito presente no Brasil, principalmente em São Paulo

e no Sul. São cerca de 25 milhões e metade encontra-se no estado de São Paulo. Vieram entre 1880 e 1930.

A história do Português no Brasil é muito diferente, porque, em última instância, colonizador será sempre colonizador. É como o Pai amigo. Pode ser companheiro e “porreiro”, mas não deixa de ser Pai. Podemos sentir, de forma inconfessável, orgulho, respeito, medo, vergonha. Mas teremos sempre profundos e intensos sentimentos, mesmo que não queiramos falar deles.

Mas os novos emigrantes qualificados e Portugueses no Brasil, deverão saber que na segunda metade do século 19, 51,9% dos moradores de cortiços da Corte no Rio de Janeiro eram de nacionalidade Portuguesa e ocupavam funções de “quintandeiro, condutor de bonde, carregador, vendedor de doces”, e mais recentemente (1915), 32% dos homens condenados por crimes no Rio de Janeiro eram portugueses*. O Brasil foi o principal destino de emigração Portuguesa até à década de 1960. Entre classe pobre, bandidos e comerciantes respeitados (por volta de 1850 os Portugueses eram proprietários de 35% dos estabelecimentos comerciais), terá havido de quase tudo.

Nos últimos dois anos vieram para o Brasil mais de 3.000 Portugueses, na maioria, quadros qualificados, à procura de uma nova vida porque Portugal e a Europa deixaram de responder no mínimo desejável. Este ano, se o ritmo dos primeiros três meses se mantiver, serão 2.000 novos emigrantes Portugueses no Brasil. Hoje, os Portugueses, consideram o Brasil uma nova terra de oportunidades. O ponto é, nestes tempos em que a geração Y valoriza quem lhe proporciona crescimento e concretização de sonhos à velocidade da luz, que papel podem ter os Portugueses neste novo mundo?

* Segundo a Wikipédia, em São Paulo, no mesmo período, os Italianos eram a nacionalidade que mais praticava crimes.

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