“Os líderes têm muita culpa!”

Esmeralda Dourado, administradora não executiva do Grupo SAG (Soluções Automóvel Globais), não tem dúvidas de que liderados e líderes devem mudar de atitude o quanto antes, para que a situação económica e social se altere.

Por Pedro Costa Coelho

HR: Vivemos conturbações sociais, financeiras e económicas. As empresas, embora necessitando de pessoas motivadas e expeditas, não têm como as recompensar. O que se deve fazer, então?

Esmeralda Dourado: Antes de mais, convém fazer uma observação: a realidade das pequenas e das grandes empresas, é diferente. Portanto, vamos conversar sobre as grandes corporações que são aquelas que já conseguem ter politicas remuneratórias.

De facto, em tempos de crise, as pessoas são bastante prejudicadas e há um desafio das empresas em conseguirem motivar as pessoas, através de mecanismos que não sejam só financeiros.

Se, por outro lado, as empresas incentivarem as pessoas a fazerem uma avaliação profunda sobre a relação laboral, então poderemos conseguir chegar a situações bastante interessantes, ao nível de prémios, de remunerações, de bancos de horas, de compensações… Há muito a fazer, nesta área e nós, na SIVA fizemos coisas bastante interessantes…

HR: Pode exemplificar?

Esmeralda Dourado: Fizemos o “open day”, que consistia em abrir as portas da empresa, uma vez por ano, aos familiares e amigos mais próximos dos colaboradores. Inclusive, amigos das comunidades vizinhas.

HR: A adesão foi boa, por parte dos envolvidos?

Esmeralda Dourado: Foi excelente. Às vezes, não temos noção precisa sobre o quão importante este tipo de acções é para os colaboradores e para a comunidade envolvente. Os gestores, especialmente os de topo, não valorizam certas coisas… e deviam valorizar!

HR: Estamos a viver uma mudança global?

Esmeralda Dourado: Estamos. Sem dúvida que sim. As relações laborais mudaram e estão intimamente ligadas aos objectivos estratégicos de uma empresa, enquanto um todo. E, já vimos, a componente financeira começa a ter outras componentes ao lado, já não é a única, nem poderá ser!

HR: Os valores sociais estão, também, em mutação?

Esmeralda Dourado: Julgo que estamos no fim de um ciclo, sim. As movimentações de fim de ciclo são sempre mais dúbias, menos correctas e provocam alterações sociais…

Quanto às empresas, diria que neste momento de crise se verá quem são os líderes à altura… Ou seja, ou temos líderes que sabem motivar, alavancar novos rumos e terão sucesso, apesar das dificuldades, ou será o descalabro.

Uma empresa que não tenha os seus colaboradores motivados e satisfeitos, mesmo que esteja financeiramente bem, terá problemas, mais tarde ou mais cedo.

Tem sido habitual questionar o desempenho dos liderados. Porém, a responsabilidade é só dos liderados? Ou os líderes também devem ser responsabilizados?

Não me oferece dúvidas que os líderes têm bastante culpa… Sabe, nós portugueses, habituámo-nos a uma formatação de vida muito acima do que poderíamos alguma vez pagar… e os líderes, bom, também eles têm que se adaptar aos novos tempos, de maior contenção, de reorganização.

HR: Há maus hábitos instalados?

Esmeralda Dourado: Há muito maus hábitos instalados. O grande problema é que a culpa é muito mais dos líderes, embora os liderados também estejam confortáveis na ilusão de vida.

Todos, mesmo todos, temos que fazer um processo de “desinstalação”.

HR: O que é um processo de desinstalação?

Esmeralda Dourado: É retirar hábitos, ortodoxias que durante anos fizeram desta sociedade aquilo que ela é, actualmente.

É começar a olhar e reparar que não fizemos rejuvenescimento em nenhuma área: politica, social, empresarial. Isso faz com que estejamos a assistir a um processo de morte lenta… Morre o país, se não houver rejuvenescimento.

HR: Tudo isso é fruto de ainda sermos uma jovem democracia?

Esmeralda Dourado: Não tenha dúvidas! Nós andamos nisto há trinta e poucos anos, os outros andam há centenas. A nossa democracia é jovem, muito já se fez, mas não demora apenas uma geração ou duas. Demora muito mais tempo.

Mesmo quando se faz uma análise crítica à classe politica, julgo que muita gente não fez, porque não queria fazer; outros não fizeram porque não sabia como fazer; e ainda há aqueles que não fizeram porque não os deixara, fazer. Portanto, não é fácil criar um foco em que a classe politica falhou sozinha… Não foi, nem é bem assim…

HR: Que desafio temos, actualmente?

Esmeralda Dourado: O desafio primordial é lutar contra este definhamento em que estamos mergulhados. E vai ter que ser a sociedade civil a mexer-se…

HR: O problema é que a sociedade civil também não é muito constante, aparece e desaparece com relativa facilidade…

Esmeralda Dourado: Esse pode ser um dos problemas. Mas há outro e chama-se comunicação social. Isto porque a comunicação social está muito mais atenta e dá muito mais ênfase a qualquer coisa que se faça junto do poder político. Quando a sociedade civil faz qualquer coisa, o impacto morre pouco depois…

HR: Está a referir-se, por exemplo, ao Fórum de Gestores de Empresas?

Esmeralda Dourado: Também, também… Nós temos ali uma série de pessoas, qualificadas, com boa vontade, que promovem ideia que podem ajudar o país, e o resultado na comunicação social é pequeno… e não pode ser assim.

HR: Mas o Fórum de Gestores de Empresas não é mais um? Não seria melhor termos uma organização com mais força?

Esmeralda Dourado: Sim, sim… esse é o nosso problema. Nós não nos unimos, enquanto povo. Mas queremos mudar isso, e vamos fazê-lo.

HR: E isso acontece porquê?

Esmeralda Dourado: Pela noção da escassez… repare, se nós tivermos ali um bolo e estivermos aqui cinco pessoas, não nos unimos para dividir aquele bolo… Por outro lado, se soubermos que existe aquele bolo e que não cozinha estão a preparar mais dez ou vinte, o que fazemos? Dividimos aquele bolo…. A escassez faz com que as pessoas não se unam…

HR: Portanto, os accionistas deste país, que tem recursos escassos, em vez de se unirem à volta do que têm, procuram ficar com a melhor parte, é isso?

Esmeralda Dourado: É isso mesmo! A escassez não provoca a união, pelo contrário.

HR: O que falta ao país? O que faz falta a Portugal, SA?

Esmeralda Dourado: Falta o ministro das vendas, falta a definição de missão, falta a definição de estratégia… nós temos poucos tiros para atirar, muito poucos tiros. E convém percebermos, antes de atirar, o que queremos mesmo.

Lembra-se do Porter [ndr: Michael Porter] que esteve a fazer aquele estudo sobre os clusters em Portugal? Onde é que está esse estudo?

HR: Se calhar devíamos perguntar ao Engenheiro Mira Amaral…

Esmeralda Dourado: Se calhar, já que ele era o ministro da Indústria, à época. Mas também aos ministros todos que se seguiram. Se os governantes, na altura, tivessem tido a coragem de ir por aquele caminho, talvez fosse diferente.

HR: O problema é que nós não focalizamos…

Esmeralda Dourado: Mas esse é o problema das empresas e dos governos… Nós, antes de mais, devemos perceber o que queremos e não andar neste regabofe de querermos tudo…

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