Para levar a sério ou para rir?

Por Ricardo Oliveira Nunes, Human Capital Director da Bring Global Solutions & Services

E quando tudo parecia encaminhado para um regresso à normalidade… eis que chega a 5ª vaga da pandemia.

Já todos percebemos que a única certeza é que não vamos ter certezas quase nenhumas na nossa vida incluindo na área laboral.

Com isso em mente, as novas regras para o teletrabalho são cada vez mais urgentes e devem rapidamente ser adaptadas à nova imprevisibilidade que estamos a viver.

Já muito se escreveu e disse que esta era uma oportunidade única de olhar para os novos modelos do teletrabalho de um modo arrojado e corajoso. Concordo, mas para que isso aconteça precisamos que quem decide, Governo e Parlamento, olhem para este assunto sem guerras políticas e muito menos como resultado na nova campanha eleitoral que aí vem. Infelizmente receio que, pelos primeiros avanços na matéria, não seja este o caso.

Se não, vejamos. A 3 de Novembro foram aprovadas na Assembleia da República as novas regras para o teletrabalho, e do que foi aprovado na generalidade destaco duas pela sua peculiaridade:

  1. O “dever de abstenção de contacto” por parte do empregador, fora do horário de trabalho. A violação deste dever deve dar origem a uma contraordenação grave do Código do Trabalho.
  2. O facto de a empresa ter que pagar “despesas adicionais” que o trabalhador tenha por estar a trabalhar à distância, desde que devidamente comprovadas. Tais despesas incluem os gastos provenientes dos acréscimos de custos de energia e internet, cujo cálculo deverá ser feito em comparação com as despesas homólogas “no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo”.

Como é esperado, na discussão da especialidade estes dois pontos podem ser alterados mas desde logo fica evidente uma grande confusão e algumas interrogações.

  • O empregador aparece aqui como uma figura abstrata e sem mais esclarecimentos. Primeira dúvida decisiva para o número 1 anterior: e se for um colega a contactar outro colega fora de horas de serviço? Será isto também uma violação? E se for o “team leader” a falar com o dito trabalhador fora de horas laborais? Configura também esta situação uma violação? E se for um cliente para quem a equipa trabalhar a contactar, é uma violação? São apenas algumas das muitas outras dúvidas que o legislador, na pressa de fazer uma lei, não esclarece nem explica.
  • Já em relação às alegadas “despesas acrescidas” vai ser necessário um refinado trabalho de contabilista para provar que há de facto um aumento dos custos de internet e energia apenas resultantes do trabalho em casa. Ora para demostrar as diferenças nas contas da luz e internet espera-se um verdadeiro vaivém de faturas entre todos os trabalhadores e os serviços de contabilidade das respetivas empresas. Quem vai analisar as faturas para perceber as diferenças? Quem vai arbitrar esse controle? Como se vai conseguir provar que a luz gasta não foi na televisão da família, mas sim no escritório de trabalho? E na internet como se vai conseguir provar que a velocidade do novo modem, por exemplo, não foi para jogos ou para o streaming da tv mas sim para trabalhar? E poderia continuar por aqui até um sem fim de novas questões e dúvidas nesta ambígua e mais que generalíssima lei.

Parece muito estranho que não se tenha pensado melhor e detalhado mais uma lei que se considera decisiva para o nosso futuro. Acredito que o princípio geral é mesmo muito importante para acautelar abusos, mas talvez fosse mais importante que os legisladores tivessem escutado os diretamente interessados nestes problemas em vez de, como sempre, darem primazia às respetivas ideologias partidárias.

Com esta lei poderíamos de facto ser revolucionários a nível mundial, mas com este tom vago e generalista arriscamo-nos a cair no ridículo. Veja-se como Portugal já está a ser utilizado para fazer humor laboral no “The Daily Show with Trevor Noah”. A nossa nova lei laboral, que ainda não o é… já passou a paródia.*

Brincadeira à parte, até porque acredito que o que queremos implementar faz mesmo sentido e porque defendo profundamente o “worklife balance”, é fundamental que seja feito um esforço legislativo maior e mais exigente.

Acredito que ainda vamos a tempo de emendar na especialidade uma lei que alguma demagogia moldou em demasia. Senhoras e senhores deputados, vamos mas é fazer uma lei a sério e revolucionária em vez de mais um documento polvilhado com penas e multas que apenas serve para inspirar alguns dos melhores humoristas do planeta.

*(https://twitter.com/TheDailyShow/status/1459884825054093324)

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