Viver e trabalhar… Mais tempo, depressa, mas bem!

Por João Antunes
Director de Recursos Humanos do Grupo Sovena

Urge desenvolver a adaptabilidade, a capacidade de gerir a incerteza e a capacidade de aprendermos a aprender.

Vivemos contextos de mudança acelerada e julgo que todos reconhecemos o impacto que tal tem na forma como vivemos em sociedade, como nos organizamos, como trabalhamos, como nos relacionamos e até como pensamos. Por outro lado, as perspectivas de longevidade são cada vez maiores, o que nos traz um conjunto de novos desafios que, incontornavelmente, deverão preocupar governantes, gestores e, desde logo, todos nós.

Os dados demográficos de Portugal mostram um país que envelhece: os mais jovens (até aos 25 anos) representam hoje um quarto da população (em 1960 eram 46%), enquanto a faixa etária mais sénior (acima dos 65 anos), representa hoje uns impressionantes 21% (apenas 8% em 1960). A esperança média de vida que, em 1960, se situava nos 66 anos disparou para os 83. Por consequência, e de modo a assegurar a sustentabilidade da Segurança Social, a idade de reforma tem vindo a aumentar e está hoje nos 66 anos e 3 meses.

O recente livro de Lynda Gratton e Andrew Scott, “The 100 Years Life, Living and Working in na Age of Longevity”, ajuda-nos a repensar a forma como tradicionalmente olhávamos para a vida – em três estádios: educação, trabalho e reforma. Este caminho de etapas bem estabelecidas está em colapso. O incremento da esperança de vida, a falência dos sistemas de providência social e o número crescente de pessoas que ao longo das suas vidas profissionais experimentam diferentes tipos de carreiras faz com que assim aconteça.

Independentemente da idade, precisamos, hoje, de pensar de forma muito diferente das gerações anteriores e de aprender a estruturar a vida de um modo completamente novo. Isto implicará um olhar diferente sobre a formação, a carreira e as nossas relações – criando uma vida gratificante e inspiradora.

Tal significa que estudar aos 30, 40 ou 50 anos será um lugar-comum; deixaremos de trabalhar, não exclusivamente aquando da reforma, mas sempre e quando o entendermos; licenças sem vencimento ou “gap years” passarão a existir de forma recorrente; ter tempo para a família deixará de estar fundamentalmente relacionado com o cuidar dos filhos mas também, e cada vez mais, com o cuidar dos pais e dos avós; outras oportunidades de carreira, outras formas de trabalho (via “downshift” ou empreendedorismo) e de vida acontecerão amiúde. E a experimentação fará cada vez mais parte das nossas vidas.

Até chegar o momento da reforma, é expectável que tenhamos de encarar novas formas de trabalhar. Aparecerão novas funções; o conhecimento que detemos e as competências que dominamos, deixarão de ter relevo. Daí que o que fazemos, onde e como o fazemos, terá de ser reinventado. A formação contínua e a aquisição de novas competências serão incontornáveis.

Mas o desafio é muito mais do que nos mantermos activos. Numa época em que os holofotes estão colocados nas novas gerações no mundo do trabalho, não podemos deixar de nos questionar sobre o que iremos fazer com todos aqueles que, ao chegarem aos 50, ainda têm mais 20 anos de vida activa pela frente.

Esquecendo o lado político, saliento o papel das organizações e dos seus gestores: urge desenvolver flexibilidade e uma dinâmica que dê respostas alternativas para as necessidades individuais que, ao longo de uma vida, se colocam com diferentes acuidades; urge desenvolver autoconhecimento, uma consciência de si próprio que permita a cada um de nós identificar áreas de oportunidade, antecipar necessidades e gerir as expectativas e motivações de modo a podermos dar sempre o melhor de nós; urge desenvolver a adaptabilidade, a capacidade de gerir a incerteza e a capacidade de aprendermos a aprender.

Saber capitalizar o potencial inexplorado dentro das organizações é o verdadeiro desafio. Seja qual for a idade!

Artigo de opinião publicado na Revista Human Resources n.º 92 de Junho de 2018.

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